Vale a pena analisar frases fora do contexto? Como você interpreta a frase “Bateu, doeu, pega que é seu”, de Joanna de Ângelis?

Resposta de *Cosme Massi na live “Como ser uma pessoa virtuosa em um mundo como a Terra?”, transmitida ao vivo em 06/09/2021, no Enconself 2021; realização da Sociedade Espírita Laços Fraternos e transmissão da Rádio Espírita do Paraná.

Transcrição de Rui Gomes Carneiro.

É ruim analisar uma frase isolada de seu contexto, pois isso permite que ela seja lida de modos diferentes, entendidas diferentemente.

Por exemplo, essa frase citada, fora do contexto, permite que se faça uma leitura contra ela, bem como uma leitura a favor. Pode-se dizer: “Que história é essa de bateu, doeu, pega que é seu”? E se a agressão foi injusta? Ela dói, mas é injusta! O agredido sofreu o mal sem precisar. Isso é perfeitamente possível. Se a pessoa foi agredida e doeu, mas ela não se magoou, não sentiu raiva, nem ódio, nem desejos de vingança, não houve revide, e sim perdão, nem por isso o agredido deixou de sentir dor; o mal foi injusto, o mal não era dele, era do outro que agiu erroneamente. Então o mal doeu, mas não era dele, contrariando logicamente a frase proposta.

Da mesma forma, eu posso dar uma interpretação favorável, argumentando que se alguém lhe faz um mal e você permite que esse mal gere um sentimento ruim em você, você tornou daquele mal um mal seu, e isso é ruim. Então o doeu aí significa que você recebeu esse mal e permitiu que ele causasse mal dentro de você, como a mágoa, raiva etc., ou seja, você pegou o mal para você, o que é muito comum acontecer. Então, agora eu estou dando à frase uma interpretação coerente.

Quando se tira uma frase do contexto, pode-se dar interpretações até mesmo opostas, favoráveis ou contrárias, pois sempre existirão argumentos para isso.

Vejamos a frase “Deus é amor”. Não parece bonita? Tem vários espíritas que a usam. Mas vamos analisá-la assim, sem contexto. “Deus é amor” torna-se um desastre, porque amor é um sentimento, e se Deus é um sentimento, e sentimento é um estado interior das almas, então Deus só poderia existir quando as almas existissem; consequentemente Deus não poderia ser o Criador, porque um sentimento e só existe em quem sente. Alguém já encontrou com um sentimento na esquina, passeando? Não, encontram-se pessoas com sentimentos. Então a frase “Deus é amor”, se considerarmos amor como um sentimento, não faz nenhum sentido.

Mas, se ao dizer que Deus é amor o contexto é dizer que há uma lei de amor, uma lei divina que recomenda amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, ou que Deus é bondade, que ele tem o atributo de bondade, ah bom, agora entendemos o que se pretendeu falar.

A frase “Deus é fiel”, nos para-choques de caminhão, o que significa? Podem ser dadas mil interpretações para ela.

Se pedirem a alguém para analisar uma frase fora do contexto, esse alguém poderá perguntar: quer uma análise contra ela ou a favor? E a pessoa fica achando que o outro estragou a frase que ela achava tão bonita. Mas toda frase fora do contexto permite a produção de argumentos contra e a favor.

Devemos, portanto, ver a frase no contexto, para podermos entender o que o autor quis dizer, o que está por trás daquelas palavras, e não analisarmos as palavras em si mesmas.

Para darmos a nossa opinião sobre uma frase temos que analisá-la como parte de um pensamento que o autor está elaborando. Aí, sim, olhando o contexto e o texto, podemos concordar ou discordar do que o autor está dizendo.

*Observação. O texto acima foi retirado de uma exposição de viva voz. Como todo ensino oral, esta colocação pode não ser tão rigorosa com os sentidos das palavras, por efeito da proximidade entre as pessoas que conversam. É preciso, por isso, considerar que as definições dadas podem ser provisórias, e que alguns termos são usados em sentido figurado. Em todo caso, o fundo da mensagem não deixa equívocos.

Cosme Massi é Físico, Doutor e Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela UNICAMP. Foi professor, pró-reitor e diretor de diversas universidades no Brasil. Ganhador do Prêmio Moinho Santista em Lógica Matemática. Escritor, palestrante e estudioso das obras e do pensamento de Allan Kardec há mais de 30 anos. Idealizador do IDEAK (Instituto de Divulgação Espírita Allan Kardec) e da KARDECPEDIA, plataforma grátis para estudos das obras de Allan Kardec. Reúne mais de duzentas aulas de Espiritismo na plataforma KARDECPlay.

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