Contribuição de Kardec para o autoconhecimento — Parte 3 de 3.
Conhecer a si mesmo: o método de Santo Agostinho.
Transcrição mesclada de aulas de Cosme Massi* realizada** por Rui Gomes Carneiro.
Progredir espiritualmente significa, para nós, Espíritos imperfeitos, tornarmo-nos Espíritos bons da escala espírita. Se queremos progredir espiritualmente, vamos ter que combater o ciúme, a inveja, a raiva e todos os outros vícios, as paixões ruins, porque um Espírito bom nunca sente nenhuma emoção ruim.
Mas como vencer as más paixões, os vícios, e conquistar as virtudes?
Kardec perguntou aos Espíritos, no item 919 de O Livro dos Espíritos:
“919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
“a) — Conhecemos toda a sabedoria desta máxima; porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?
“Fazei o que eu fazia quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticou durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que fez, rogando a Deus e ao seu anjo guardião que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?” Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.
“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não a podereis ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade, e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas. Faça o balanço de seu dia moral, como o comerciante faz o de suas perdas e seus lucros; e eu vos asseguro que a primeira operação será mais proveitosa do que a segunda. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.
“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Ora, que é esse descanso de alguns dias, turvado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a ideia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos “O Livro dos Espíritos”.”
Santo Agostinho.
Os Espíritos responderam:
“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: conhece-te a ti mesmo”.
Kardec pediu um meio prático, e veio essa máxima. Então ele formulou nova pergunta (919-a):
“Conhecemos toda a sabedoria desta máxima; porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?”
Kardec queria saber na prática o que se deve fazer para se conhecer. Qual a estratégia, qual é o meio de fazer isso? Quem respondeu a essa pergunta foi Santo Agostinho, que desenvolveu um papel de grande importância na elaboração da doutrina espírita. Quando encarnado, aproximadamente no século IV da era cristã, fora um grande filósofo que ajudara a construir a base da Igreja católica.
Existiu uma razão da maior importância para Santo Agostinho ser indicado para responder a essa pergunta; ele praticara esse método durante sua última encanação como Espírito imperfeito, e conseguira se libertar dos vícios e desenvolver as virtudes. Não é, portanto, um método teórico qualquer, é um método que foi testado, que foi vivido por Santo Agostinho e levou-o ao salto evolutivo, saindo da terceira ordem para a segunda ordem.
Não se está falando que as pessoas pulam de uma ordem para outra numa única existência, não é isso.
Esse Espírito já vinha progredindo, mas a sua última existência como Espírito imperfeito na Terra se deu quando ele levou a sério o método que agora nos propõe; ele o estuda e o pratica, desenvolvendo o autoconhecimento. Então nós vamos ver a recomendação desse Espírito que é muito conhecido na tradição cristã. Ele foi um dos chamados pais da Igreja, um grande filósofo que viveu no século IV depois de Cristo, cujos livros de filosofia ainda são usados pela riqueza de seus pensamentos, pela profundidade do seu argumento. Esse filósofo é Santo Agostinho, o Agostinho da cidade de Hipona; era o Bispo de Hipona.
Então Santo Agostinho, quando encarnado, soubera fazer o autoconhecimento, praticara e obtivera êxito. Ele desenvolvera as virtudes e superara os vícios, dando o salto para Espírito bom. Foi esse Espírito que o Espírito de Verdade designou para dar a resposta à pergunta de Kardec, alguém que falava com autoridade, com competência. Ele veio para nos ensinar a praticar, já que ele usara o método em sua última encarnação.
Kardec precisava da resposta por alguém que falasse com conhecimento de causa, que como Espírito imperfeito, da terceira ordem, tivesse vivido o que nos proporia, e queria a garantia de que alguém que vivesse essa experiência conseguiria avançar para a segunda ordem.
Então vejamos a proposta de Santo Agostinho. Aqui é muito importante entender a lógica da resposta que ele deu. Ele vai responder, no item 919-a, a três perguntas:
1.º: O que fazer?
2.º: É possível fazer?
3.º: Por que fazer?
Sempre que nos for dado um meio prático, podemos analisar se vale a pena usá-lo respondendo a essas três perguntas.
Imaginemos que alguém fale assim:
“Vamos fazer um pudim de leite condensado?”
Primeira pergunta: “O que eu vou fazer?”
Isso é muito importante, ter clareza do que vai fazer, para saber do que vai precisar e como vai fazer.
Ótimo. De que é preciso para fazer esse pudim?
“Leite, ovos, açúcar, leite condensado, etc. Aí é preciso saber fazer: misturar os ingredientes, cozinhar desse jeito, e daí por diante. Depois de saber tudo que precisa, inclusive as panelas, colheres, etc., a pessoa vai ver se na sua casa tem tudo de que é necessário. Quando souber exatamente de que maneira fazer aquilo, ela vai responder à segunda pergunta: É possível fazer?
Eu me recordo, na minha infância, minha mãe fazia pudim de leite condensado, e precisava de pelo menos duas panelas; se eu tivesse uma panela só, eu não poderia fazer o pudim de leite condensado, porque o pudim precisa ser feito em banho maria. Então, quando se faz essa pergunta, é possível fazer? é preciso saber se o que temos à disposição permite praticar aquele meio. Não basta dar um meio prático, explicar o que seja esse meio, é preciso entender “eu posso fazer isso?”.
Por que isso é importante? Porque quando se vai explicar o que é o autoconhecimento, vamos ter um problema: será que é possível o autoconhecimento? É possível a pessoa conhecer a si própria?
Santo Agostinho vai ter que responder se isso é possível. Porque já se conhecia na história os argumentos de vários filósofos que diziam não ser possível fazer o conhecimento de si mesmo porque nós temos um hábito terrível chamado orgulho, que nos impede de enxergar a nós mesmos como de fato somos. O orgulhoso vai fazer o autoconhecimento, olha para si, e não vê defeitos. Tudo tem uma justificativa que ele considera racional para que ele seja daquele jeito. Ele vai analisar uma desavença ocorrida durante o dia e já diz: “Não, o culpado é o outro, que merecia aquilo, que precisava daquilo. Foi ele que me deixou irritado, a culpa é dele!”
Então vários filósofos tinham argumentos contra a possibilidade do conhecimento de si, o que impõe a Santo Agostinho a necessidade de mostrar que é possível fazê-lo e dar um meio para realizá-lo! Como enfrentar aquilo que na filosofia se chamava “autoengano”, um processo interno do indivíduo de se enganar quando tenta conhecer a si próprio? O indivíduo fica se enganando, deixa-se levar pelo orgulho: “Não, eu não tenho esse defeito!” Então, como enfrentar o autoengano?
Agostinho vai ter que provar que é possível fazer o autoconhecimento.
Mas existe a terceira questão, ainda mais grave: Por que fazer?
Vamos descobrir que esse meio prático de autoconhecimento é trabalhoso, é uma coisa para ser feita todos os dias, vai exigir muito esforço, muita vontade. Experimenta vencer o ciúme, por exemplo, ou a inveja, a raiva, a indignação, o ódio. Se alguém lhe trai, se alguém lhe prejudica, se alguém atrapalha sua vida, como vencer as emoções ruins que surgem dessas condutas? Como enfrentar a pobreza, a doença, a miséria, os conflitos sociais, as traições?
Então o processo de melhorar nessa vida com o autoconhecimento exige muito trabalho diário, muito esforço todos os dias, e podemos perguntar: Por que vou fazer isso?
Gastar tempo diário para se autoanalisar, para identificar um vício em você, para trabalhar esse vício, para combater esse vício, isso exige muito esforço, muito trabalho. Então temos que responder à pergunta “por que vou fazer isso?”
Vamos voltar ao pudim de leite condensado: a pessoa sabe o que fazer, é possível fazer o pudim, mas ela vai perguntar: “Vou fazer isso para quê, se sou diabético, a minha esposa é diabética, aqui ninguém pode comer doce, e não estamos esperando visita que coma? Para que vou fazer esse pudim se ninguém vai comer?” Ou, de maneira bem simples: “Por que vou ter um trabalhão para fazer pudim se aqui em casa ninguém gosta de pudim?”
No autoconhecimento é algo parecido. Se a pessoa tem o meio prático e é possível fazer, ela vai perguntar: “Por que eu vou fazer esse esforço todo? Qual a razão para isso? Por que eu devo gastar tempo em minha vida, dedicação e esforço para eu me conhecer?” Santo Agostinho vai responder a essas perguntas.
Esse sistema das três perguntas vale para tudo que é prático na vida, inclusive no trabalho. Ao respondermos essas três perguntas saberemos se vale ou não a pena utilizarmos aquele meio.
Vamos ver agora como esse filósofo extraordinário vai responder a essas três perguntas, justificando o esforço diário para realizar o autoconhecimento.
PRIMEIRA QUESTÃO: O QUE FAZER?
Santo Agostinho começa a responder no item 919-a: “Fazei o que eu fazia quando vivi na Terra.”
Por que “O Espírito de Verdade” indicou Santo Agostinho para responder a essa pergunta?
Por ser um Espírito que praticou o método e obteve sucesso ao fazê-lo, e, portanto, tem autoridade para recomendá-lo. Isso é muito importante. E mais que isso, quando ele praticou o método ele não era um Espírito bom da escala espírita, ele era um Espírito imperfeito como nós.
Para quem não se recorda, a escala espírita tem três ordens. A primeira ordem é a dos Espíritos puros ou perfeitos, que são os mais evoluídos. Eles são plenamente independentes da matéria, que sobre eles não tem qualquer interferência, ou seja, estão totalmente livres das paixões, boas e ruins. Segundo os Espíritos superiores, na Terra só encarnou um, Jesus Cristo!
A segunda ordem é a dos Espíritos bons, em que há predominância do espírito sobre a matéria. E entendamos: Espírito bom não significa ser uma boa pessoa, bom não é adjetivo, faz parte do nome da ordem, Espírito bom: nessa ordem há predominância do espírito sobre a matéria; para ser Espírito bom não pode sentir nenhuma paixão ruim, como ciúme, inveja, orgulho, egoísmo, raiva, etc. O Espírito bom só tem emoções boas, só tem desejos bons, já venceu todas as paixões ruins. São raros encarnados na Terra e, desencarnados, são os anjos guardiães dos Espíritos imperfeitos.
Finalmente, na terceira ordem, que abriga os Espíritos imperfeitos, há predominância da matéria sobre o espírito, propensão para o mal, ignorância, orgulho, egoísmo, inveja, ciúme, raiva, e todas as paixões que lhes são consequentes. Formam a grande maioria dos habitantes da Terra.
Mas de que ordem nós somos? Vamos fazer uma pergunta, e quem responder “sim” é da terceira ordem; quem responder “não” é da segunda ordem: Vocês sentem — sentir, pelo menos de vez em quando, não é preciso ser sempre, só de vez em quando já é suficiente — pelo menos uma dessas emoções: tristeza, ciúme, mágoa, inveja, raiva, orgulho, egoísmo, ódio, revolta? Você sente alguma dessas emoções de vez em quando?
Se sente, então é da terceira ordem! E Santo Agostinho, quando praticou o método que agora nos recomenda, também o era, mas estava decidido a deixar de ser. O nosso planeta é um mundo de provas e expiações porque a esmagadora maioria dos encarnados é da terceira ordem.
O dia que esses Espíritos imperfeitos evoluírem para a segunda ordem, o planeta será um mundo feliz, como explica Santo Agostinho em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, no capítulo “Há muitas moradas na casa de meu Pai”. Nós teremos um mundo de paz quando deixarmos de sentir as emoções ruins. Mas, até lá, nós temos que praticar o autoconhecimento.
E para isso nós contamos com o apoio constante de nossos anjos guardiães, Espíritos evoluídos designados por Deus para nos auxiliar no progresso espiritual; quantas vezes nos esquecemos dessa lei natural, a lei do anjo guardião!
Cada um de nós tem um Espírito de ordem superior à nossa que nos ajuda. E como ele é de ordem superior, quem está na terceira ordem tem o anjo guardião da segunda ordem.
As orientações dele visam sempre ao nosso bem, e não é preciso que esteja do nosso lado. Eles captam nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossos desejos de onde estiverem. No item 495 de “O Livro dos Espíritos”, Santo Agostinho diz: nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão estais desligados do vosso anjo guardião.
E não é que eles estejam sempre ao nosso lado, eles estão ligados a nós pelos pensamentos. Eles captam os nossos pensamentos, os nossos desejos, os nossos sentimentos mais íntimos de onde estiverem, do outro lado da Terra, ou de outro planeta. E de onde estiverem, eles nos ajudam. Estão sintonizados conosco 24 horas por dia, sete dias por semana, porque para a transmissão de pensamentos não existe distância.
Todos da terceira ordem têm Espírito protetor da segunda ordem, independentemente do desenvolvimento espiritual. E não existe uma correlação de evolução do Espírito dentro da terceira ordem com o grau de desenvolvimento espiritual de seu anjo da guarda: se é da terceira, tem protetor da segunda.
Mas precisamos aprender a ouvir nosso Espírito protetor, a fazer a distinção entre o que é pensamento nosso do que é o pensamento do dele.
O problema é que muitas vezes nós fechamos os ouvidos para eles. Não gostamos de ouvir a nossa realidade moral e os nossos defeitos, fugimos disso, e o guardião põe o dedo na ferida: “Você é vaidoso”, “É egoísta”, etc.
Então temos que pedir ao nosso anjo guardião, que está cumprindo uma missão divina, que ele nos ajude, nos intua, nos mostre sempre o caminho da lei, e fortaleça nossa vontade nessa luta contra os vícios. Mas precisamos aprender a ouvi-lo na nossa alma.
No item 159 de “O Livro dos Médiuns”, Kardec explica que nesse sentido de ouvir os pensamentos do anjo guardião todos somos médiuns, embora nem todos sejam videntes, psicógrafos, psicofônicos, etc. Essa mediunidade específica não são todos que tem, é uma característica orgânica, mas ouvir o anjo guardião todos podem, todos desfrutam desse benefício divino.
É isso que precisamos fazer na hora do autoconhecimento: ouvir nosso anjo guardião, pedir com humildade: “Amigo querido, me ajude a entender o meu ciúme, a minha raiva, me dá forças para enfrentar esses vícios amanhã, esse ciúme, essa inveja, essa tristeza, essa revolta, esse orgulho e esse egoísmo que correm minha alma, me dê forças para enfrentar a mim mesmo.” E essa força parece surgir do nada, de repente a paixão acalma, torna-se mais fácil superá-la naquele momento, torna-se mais fácil resistir à paixão que antes era devastadora. É o anjo guardião nos lembrando dos nossos compromissos com o Pai, e então nossa alma se acalma, nosso ser se aquieta, e nos parece inacreditável que quase caímos de novo.
Nós temos o auxílio do anjo guardião até nas coisas mais simples: uma panela queimando no fogão e ele fala dentro da cabeça “A panela está torrando no fogão”. Ou o ferro ligado, uma luz acesa, eles sempre estão nos ajudando e protegendo. Todos nós podemos ouvir, basta que prestemos atenção, basta que aprendamos a ouvir o pensamento do anjo guardião.
E quando vamos praticando essa conversa com nosso melhor amigo todos os dias, vamos aprendendo a ficar mais em contato com ele, e isso vai nos desvinculando dos Espíritos imperfeitos que nos querem mal, que nos orientam para o mau caminho. Então vamos ampliando essa sintonia com os Espíritos evoluídos, melhorando a nossa vida todos os dias, porque agora mudamos de sintonia.
Sempre escutaremos aquilo em que prestarmos atenção: se nosso foco ficar em Espíritos imperfeitos, são eles que ouviremos. Se estivermos prestando atenção em outra coisa não ouviremos nosso anjo protetor. Essa é uma decisão nossa.
Mas a orientação existe o tempo todo, basta prestar atenção. Muitas vezes a pessoa vai orar deitado, morrendo de sono, e dorme sem concluir raciocínio nenhum. É preciso disciplina para examinar o dia, para orar. É preciso estar desperto, sintonizado com Deus e com o Espírito protetor. É melhor deitar-se mais cedo, desligar a televisão antes, afinal, é algo fundamental para o sucesso espiritual em nossas vidas. Temos que melhorar um pouco todos os dias, resistir à atração do mal, fazer o bem, para conquistar a felicidade dos Espíritos bons. Vale a pena fazer esse trabalho diário.
Santo Agostinho, quando praticou o autoconhecimento, era Espírito imperfeito e tinha as emoções que nós temos, como ficar triste, magoado, chateado, com ciúme, com inveja, com raiva, sensualidade, etc. Mas ele praticou naquela encarnação esse método que agora nos propõe, e conseguiu se autoconhecer e superar seus vícios; ele deu o salto evolutivo na escala espírita, ele evoluiu da terceira ordem, dos Espíritos imperfeitos, para a segunda ordem, a dos Espíritos bons. Santo Agostinho conseguiu isso praticando o autoconhecimento. Então o caminho que ele indica é eficiente, leva ao conhecimento de si. Não devemos ver no método, portanto, uma utopia, algo que não possa ser praticado, pelo contrário, todos nós podemos praticá-lo. Por isso ele começa com essa frase, “fazei o que eu fazia quando vivi na Terra”. Não era apenas uma teoria, era algo que ele havia feito, e dera certo.
E Santo Agostinho continua:
“Ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar.”
Isso é muito importante: não é um método para ser praticado de vez em quando, mas sim todos os dias da existência. Terminou o seu dia, pare! Fique em silêncio, tire um tempinho para o autoconhecimento. Não vá dormir logo. Tem gente que liga a televisão e não gasta 5 ou 10 minutos para realizar a tarefa de autoconhecimento. Quando Santo Agostinho diz “ao fim do dia”, ele quer dizer todos os dias, todos. Desliga a televisão, fica quietinho em oração, e praticando o que ele explica a seguir:
"Interrogava a minha consciência”: É uma conversa da pessoa com ela mesma, é um solilóquio.
“Passava em revista o que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar”: Então no final do dia ele examinava o dia que estava acabando. Ele analisava um período bem determinado de tempo, o dia que estava acabando. Não são dois ou três últimos dias, é o dia que está acabando, só esse dia. Não é chegar a noite e querer examinar toda a vida passada, o que aconteceu na infância, a briga que teve há 20 anos com seu pai, não é isso: ao fim do dia a pessoa passa em revista aquele dia que ele viveu.
“Perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever”: Será que eu deixei de cumprir algum dever hoje, algo que devia ter feito e não fiz? A minha consciência me acusa de ter sido bruto, agressivo, egoísta, orgulhoso, desonesto? Vamos frisar bem: Você vai examinar o seu dia de hoje. Nada de fazer a análise de sua vida, reclamando de suas dificuldades do passado, da infância. É para encontrar na consciência problemas que tenha tido no dia de hoje, o de ontem deixa para lá, a pessoa vai começar a partir de hoje a não cometer os mesmos erros. Então o anjo guardião vai dar orientações de como resolver esses problemas amanhã. Cada dia, examinando o dia que viveu.
Se ficarmos tentando voltar na nossa história, não daremos conta de lidar com tudo, e acabaremos desistindo.
“Se ninguém tivera motivo para de mim se queixar”: Será que no dia de hoje alguém tem motivo para se queixar de mim? Ofendi alguém? Magoei alguém? Prejudiquei alguém? Eu dei motivo para que alguém se queixasse de mim?
Permitam-me contar uma experiência pessoal. Certa vez estava em uma reunião profissional, em um grupo de cerca de 30 pessoas, discutindo e tomando decisões. Durante a discussão todos nós podíamos fazer propostas, que eram votadas pelo grupo como decisões. Durante as discussões eu fui muito bruto ao defender a minha proposta, fui muito ácido defendendo a minha proposta e atacando a proposta de uma pessoa que estava na reunião. A minha proposta acabou sendo a vencedora na votação, isso aconteceu pela manhã. Logo depois do almoço fui fazer minha sesta, de 15 a 20 minutos, é o que faço sempre que posso. E sempre quando faço isso eu oro ao meu anjo guardião. Sempre. E como eu estava me sentindo incomodado com aquela minha atitude áspera na reunião, eu ouvi na minha cabeça: “Peça desculpas.” Pensei: o fato já ocorreu há duas ou três horas, pedir desculpas? Mas aquilo estava me incomodando. Depois da sesta voltei para a reunião, e me encontrei no corredor com a pessoa que eu agredira.
Resolvi pedir desculpas, ele me abraçou, mas ficou ainda um mal-estar no ar. Logo depois, já à mesa de reunião, agradeci ao anjo guardião pela força e inspiração que me dera, e ouvi na cabeça: Você a ofendeu em público, peça desculpas em público. Depois que todas as pessoas se acomodaram em torno da mesa, eu pedi a palavra e me desculpei com a pessoa. E eu percebi que nesse momento, o sorriso dessa pessoa deixou de ser amarelo, e nós nos abraçamos após a reunião, e o assunto ficou totalmente resolvido.
Quando a gente está disposto a vencer a si próprio, dizem Santo Agostinho e São Luís no item 495 de “O Livro dos Espíritos”, a ajuda do anjo guardião ganha muito em eficiência, e nós vamos nos vencendo. Mas exigiu muito esforço de minha parte pedir desculpas em público, o orgulho é um vício forte dos Espíritos de terceira ordem. Não se vencem os vícios sem muito esforço. E quem não se esforça se acomoda, e acaba cultivando a inveja, o ciúme, a mágoa, a revolta, o orgulho, o egoísmo, e quando isso acontece nós vamos criando as condições para não sair da terceira ordem. Só há um jeito de sair: eliminando todas as emoções ruins.
E o filósofo continua:
“Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma”.
Então é um processo de solilóquio, conversando com a própria consciência, buscando identificar em si defeitos, erros, condutas equivocadas que tenha tido naquele dia, sem entrar naquele estado de consciência de culpa, nada disso. Simplesmente uma análise tranquila do dia, buscando se conhecer.
Continua Santo Agostinho:
“Aquele que, todas as noites, evocasse”. . .
Atente-se para o início da frase: “todas as noites”, não é de vez em quando, é todas as noites. Não se pode deixar acumular vários dias, senão não se dá conta. Tem que ser todas as noites.
Prossegue:
“[. . .] evocasse todas as ações que praticou durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que fez, rogando a Deus e ao seu anjo guardião que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria.”
Aqui Santo Agostinho nos lembra que a prática é todos os dias, e depois nos dá uma estratégia importante: você vai rogar pela prece a Deus e ao seu anjo guardião que ajudem você a reconhecer os problemas que você viveu hoje, e que lhe dê inspiração para enfrentá-los amanhã.
Frase forte do Espírito: “Crede-me, Deus o assistiria.” Sim, por meio do anjo guardião. Deus assiste os homens por meio dos Espíritos superiores. Os Espíritos nos ajudam, mas devemos estar dispostos a fazer o autoconhecimento, ou não os ouviremos.
E Santo Agostinho prossegue:
“Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”
Ao examinar seu dia faça perguntas, interrogue sua consciência sobre a razão de ter feito daquela maneira, se fez por egoísmo, por interesse, por orgulho, se desejava de fato fazer o bem ou visava interesse pessoal, mas faça perguntas diretas a si mesmo. Esta é uma forma fácil de sabermos se fizemos bem ou mal. Pergunte-se sempre: o que acharia se outra pessoa tivesse praticado aquele ato? Você condenaria? O mesmo deve ser aplicado a você mesmo pela sua razão, evidenciando a necessidade de mudanças.
E vejam que frase interessante ele coloca a seguir: será que se alguém me chamasse agora eu teria vergonha, eu abaixaria o olhar? Olha que frase importante, que pergunta para a gente fazer: será que eu teria vergonha de alguém por ter sido desonesto com ele, bruto, agressivo, mentiroso, etc.?
Se Deus me chamasse agora e me colocasse diante dessa alma eu teria vergonha dela? Então se corrija, enquanto está na Terra. Faça a correção de rumo enquanto está aqui, porque a morte vai nos pegar. Essa viagem é outra lei de Deus; a morte é uma Lei divina, todos voltaremos ao mundo espiritual.
Então é preciso resolver o problema agora, para não deixar a dívida acumular para o futuro. Precisamos reconhecer o erro hoje para buscarmos a solução para ele amanhã, enquanto ainda estamos encarnados na Terra. Por que levarmos motivos de sofrimento ao desencarnar se podemos resolvê-los aqui, nessa vida mesma?
E continua a orientação: “Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.”
Diariamente! O que eu fiz hoje que não devia ter feito? Como vivi hoje? Vamos corrigir os erros para amanhã. Se fizermos isso todos os dias vamos melhorando aos pouquinhos, porque estamos resolvendo o problema pequeno daquele dia. Amanhã não vou repetir mais, amanhã eu vou corrigir. Se ofendi alguém, amanhã vou pedir desculpas, se fui desonesto, vou corrigir amanhã essa desonestidade.
A cada dia vamos construindo um mundo interior melhor, melhorando todos os dias. E ao sintonizarmos com o anjo guardião impedimos a ação no mal, porque isso impede que os Espíritos imperfeitos provoquem as nossas paixões. Começamos a nos manter em sintonia com os bons Espíritos, e eles vão nos ajudar a enfrentar vários problemas diários que todos vivemos nesse mundo de provas e expiações.
Então é um processo de todos os dias fazer um pouquinho para melhorar a cada dia.
SEGUNDA PERGUNTA: É POSSÍVEL FAZER?
O que fazer nos foi mostrado por Santo Agostinho, mas agora temos a segunda pergunta: É possível fazer?
Vejamos que Santo Agostinho nos relata as dificuldades, e a seguir a solução: “O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos.
Vejamos que neste parágrafo o autor coloca o problema do autoengano como um problema real: o avarento se considera previdente, o orgulhoso só enxerga em si a dignidade.
O que Santo Agostinho está querendo nos mostrar? Que nossos vícios morais nos atrapalham quando tentamos olhar o nosso mundo íntimo. Quando começamos a olhar é muito comum não enxergarmos nossos defeitos, porque nossas paixões ruins podem nos impedir de fazer isso.
Aí está o desafio ao Espírito: ele precisa mostrar como fazer o conhecimento de si sem que os vícios atrapalhem esse autoconhecimento. Como o orgulhoso enfrenta o autoengano, ou seja, como ele impede que o orgulho o impeça de ver seus defeitos?
Vejamos o que ele diz:
“Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais em outrem, não a podereis ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade, e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo.”
Então ele começa aqui dando três componentes iniciais para o enfrentamento do autoengano.
O primeiro componente é, ao examinar o dia, se deter nas ações que incomodam ao serem lembradas: poxa, eu me comportei daquele jeito com aquela pessoa. Se está em dúvida se o comportamento foi ruim, considere que uma outra pessoa faça o que você fez, e diga assim: se não fosse eu que tivesse feito, mas sim esta outra pessoa, como eu julgaria a sua conduta? Eu consideraria que sua conduta foi certa ou errada? Se eu julguei que foi errada, então a minha atitude também foi errada, porque Deus não usa de duas medidas, como o texto deixa claro.
Então o primeiro exercício é, quando tiver dúvida quanto ao seu comportamento, considerar que outra pessoa tivesse se comportado daquela maneira, e ver como você julgaria.
A segunda ação é procurar saber o que outras pessoas pensam a respeito daquela atitude. De que maneira fazemos isso? Estudando, vendo situações análogas àquela que vivemos, o que é fácil de achar em livros de ética, em livros de moral; também podemos analisar a reação das pessoas que estavam envolvidas ou, ainda, que já praticaram ou vivenciaram em suas vidas uma ação semelhante à sua. Ou seja, isso pode nos auxiliar a entender moralmente nosso procedimento: como é que meus semelhantes, as pessoas que ouviram, que estavam presentes ou outras pessoas que praticaram ações semelhantes, o que elas pensam acerca daquela conduta?
Agora estamos examinando um conjunto maior de opiniões, não estamos ficando somente com a nossa opinião pessoal; pode ser que ao fazer isso precisemos ainda de auxílio, precisemos estudar no dia seguinte, analisar, fazer consultas para tirar dúvidas. É importante lembrar que todo esforço é necessário, pois estamos cuidando da nossa felicidade futura.
E então Santo Agostinho dá um terceiro elemento, que não pode ser desprezado: a opinião dos inimigos, das pessoas que não gostam de nós, daqueles que tem conosco algum tipo de desavença. E observar a opinião do inimigo não significa ir lá perguntar para ele, é observar o que ele diz, quais os comentários que ele fez da sua ação, ou a avaliação que ele faz acerca do seu caráter, pois é possível que tenha algum fundo de verdade.
Quem quer se conhecer tem que ter a humildade de identificar erros, não pode ficar incomodado com a crítica alheia, tem que observar, analisar se existe fundamento nas críticas de outras pessoas, e principalmente daquelas que não gostam de nós, porque, como diz o texto, estas não estão preocupadas em não nos chatear, em disfarçar, em serem caridosas, como fazem os amigos. Elas dizem diretamente, então precisamos saber, por mais rude que possa parecer, se há um fundo de verdade em suas considerações.
Então vejam que Santo Agostinho colocou aqui três estratégias: colocar alguém fazendo o que fizemos, e então julgar a ação, ouvir outras pessoas a partir do estudo, do diálogo, da observação da conduta, e não deixar de observar o que falam os inimigos. Sempre vendo se não há um fundo de verdade nos julgamentos.
Dessa forma enfrentaremos o orgulho, não permitindo que ele nos avalie; além disso a disposição para detectar erros em si com participação de outras pessoas já significa enfrentamento do orgulho. Assim vamos reduzindo o autoengano, porque o autoengano é decorrência principalmente desse vício terrível que é o orgulho, que deturpa a nossa visão de nós mesmos.
Então vamos fazendo esse exercício diário de humildade, de buscar identificar nossos problemas no mundo interior, e termos a disposição de enfrentar esses problemas e mudar.
E Santo Agostinho continua:
“Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas. Faça o balanço de seu dia moral, como o comerciante faz o de suas perdas e seus lucros; e eu vos asseguro que a primeira operação será mais proveitosa do que a segunda. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.”
Santo Agostinho nos lembra da importância de examinarmos a consciência com esse desejo sério, sincero de melhorarmos, de colocarmos para fora os nossos defeitos, extirpá-los, eliminando-os o mais rápido possível. E ele compara com a eliminação das ervas daninhas, usando o termo arrancar: tirar com as raízes. É o que temos que fazer com os vícios, arrancá-los de nós com suas mais profundas raízes.
Então Santo Agostinho faz uma comparação do balanço financeiro de um estabelecimento e o balanço moral necessários ao final do expediente: ao final do dia o comerciante faz o balanço das suas perdas e lucros, que é importante para saber por quantas anda seu negócio, mas esse balanço é menos importante do que aquele que deseja de fato se melhorar deve fazer, que é o balanço do seu dia moral. Por isso ele diz que fazer o balanço do seu dia moral é mais vantajoso para a alma, do que fazer o balanço do seu dia material. Claro que o balanço do dia material é importante, é preciso ser cauteloso, previdente, equilibrado com os recursos de que se dispõe, mas o balanço da vida moral é mais importante ainda, porque é esse balanço que vai nos dar a consciência tranquila, e então podemos ir para a outra vida sabendo que fizemos o melhor que podia ser feito.
Mas é preciso cuidado ao entender esse balanço moral: enquanto no balanço financeiro um lucro neutraliza uma perda, o mesmo não ocorre no balanço moral, ou seja, uma virtude não compensa um vício que ainda tenhamos. Se temos dez vícios e desenvolvemos uma virtude, ainda temos nove vícios para serem vencidos. Mas é claro que cada virtude que desenvolvemos vai nos fortalecendo para vencer os demais vícios.
Mas por que é mais importante o balanço moral que o material? Vamos ver, então, o “por que fazer?”
Continuemos com Santo Agostinho.
TERCEIRA PERGUNTA: POR QUE FAZER?
“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Ora, que é esse descanso de alguns dias, turvado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem?
O que ele diz aqui? Quantos de nós trabalham para repousar na velhice, ao se aposentar? Só que viverá na velhice por poucos anos, não viverá na velhice por muitos anos, logo morrerá.
A vida no corpo é temporária, é muito curta. Kardec e os Espíritos mostram algo na Revista espírita a que precisamos nos atentar; vive-se no mundo espiritual um tempo muitas vezes maior que na vida corporal. A vida no mundo espiritual, chamada erraticidade, é muito mais longa.
O indivíduo passa 100 anos encarnados, e viverá milhares de anos na vida espiritual antes da próxima existência corporal. As pessoas ficam preocupadas em resolver os problemas materiais para viver uma velhice de 30 a 40 anos, e esquecem dos problemas morais. E, após a morte, vão viver milhares de anos sendo infelizes no mundo espiritual por terem vícios, e faltarem-lhes virtudes. Milhares de anos infelizes. É o que Santo Agostinho está lembrando nesse trecho.
Então não é melhor gastarmos um pouco de tempo, enquanto encarnados, para conquistar os bons valores morais que nos farão homens ricos no mundo espiritual, por toda a eternidade?
Vamos preferir cuidar só do corpo e viver 20 a 30 anos na velhice? Trocar milhares de anos de felicidade na erraticidade por 20 ou 30 anos encarnados na velhice não parece um pouco desinteressante? É uma questão de acreditar que a vida continua após a morte, de ter certeza de que somos espíritos imortais, e não corpos que desaparecem após a morte.
Assim, a escolha é nossa. Todos vamos morrer, é uma lei natural. E não adianta argumentar “Ah, agora que eu comprei uma casa na praia, que tenho meus netos. . .”, não adianta, vai morrer como todo o mundo morre.
Todos temos uma passagem nominal e intransferível, tem uma data definida que eu não consigo ler ainda, mas ela vai ficando mais clara com o tempo. A viagem já foi estabelecida por Deus, a data vai ser definida por ele, e aí não tem argumentação que demova a morte de seu propósito: você vai.
Pascal argumenta em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” que, se o indivíduo vai fazer uma viagem longa, demorada, ele tem que levar os recursos que o farão rico no destino, que o façam feliz lá. Não é uma viagem que se faz a uma cidade, fica lá um pouco e já volta. Não, Pascal fala de uma viagem para viver milhares de anos no local de destino. A bagagem tem que ser adequada ao local de destino, não ao local que estamos deixando para trás. Podemos ser felizes por milhares de anos, não apenas 20 ou 30 anos.
Imagina ir morar na Groenlândia e levar só roupa de banho, não se preocupar em levar nenhum agasalho! Certamente vai se dar mal. É como ir para o mundo espiritual após a morte levando só valores materiais, vai sofrer muito frio, muita dor, pois não foi previdente levando os valores morais importantes para quem volta ao plano espiritual. Podemos comprar roupa no outro país? Sim, com a moeda que se usa lá, e essa moeda chama-se virtude.
Não adianta cuidar só do corpo, é preciso cuidar da alma, porque o corpo vai ficar. Só levaremos os valores da alma, e como diz Pascal, não vão perguntar quando chegarmos lá qual o título você tinha, se era político, empresário, dona de casa, lixeiro, não vão perguntar sua profissão, não vão perguntar isso. Lá não interessa a profissão, não interessa posição social, não interessam títulos acadêmicos.
A pergunta será: Tens virtudes? Sejas rico. Goze da felicidade do homem virtuoso.
Não tens virtudes? És um pobre coitado que viverá infeliz por muito tempo, até chegar uma nova existência corporal para a conquista das virtudes. E isso pode significar milhares anos na miséria espiritual.
A escolha é nossa, é da Lei de Deus, o progresso está em nossas mãos. A felicidade está em nossas mãos, só depende de nós o esforço de conquista de valores que nos vão gerar a felicidade futura, está em nossas mãos, não está nas mãos de ninguém, só depende de querermos de fato, só depende de nossa força de vontade.
A virtude não exige dinheiro para ser conquistada, não exige posição intelectual, não exige condição profissional, qualquer que seja a posição do indivíduo, qualquer que sejam os recursos econômicos, sociais, profissionais, ele pode praticar a virtude, ele pode vencer o ciúme, a mágoa, o ódio, a inveja, a raiva, o ódio, o orgulho, o egoísmo, a revolta; ele pode amar, praticar a caridade, qualquer um pode desenvolver as virtudes e vencer as más tendências. É só querer de fato!
Ninguém poderá alegar a Deus que não tinha condições de praticar as virtudes. Será uma mentira! Não é preciso cultura, posição social, conhecimentos intelectuais! Mesmo um paralítico sobre uma cama pode ser virtuoso. Pode escrever, pode pensar, pode vibrar amor para os outros, pode vibrar alegria, não há quem não possa fazer a caridade, qualquer que seja a condição física, social ou intelectual. Não tem jeito de alegar desculpas para não fazer o bem.
Também não adianta alegar que não sabia a importância de praticar o bem, porque todos sabem. Mas a maioria gasta o tempo com o equilíbrio material, esquecendo-se da alma, e esquecendo-se que não levará o corpo após sua morte. Só irá o Espírito, e seus valores, bons ou maus. E nós, com pouca sabedoria, deixamos os valores morais em segundo plano! Então seremos infelizes por milhares de anos...
E então, mais uma vez, pediremos a Deus uma nova oportunidade, e ele nos atenderá, certamente. Mas a fila dos que precisam reencarnar é grande, então vai demorar até que encontremos os nossos futuros pais, que nos darão um corpo, e desta forma possamos recomeçar o esforço da transformação, e o desenvolvimento da virtude.
Mas se não seguirmos estas recomendações de Santo Agostinho, viveremos mais 100 anos encarnados, e voltaremos na mesma situação miserável que do mundo espiritual partimos para a nova existência.
E Santo Agostinho vai nos lembrar:
“Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a ideia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”
O objetivo então é mostrar que a vida futura é uma realidade, não é uma utopia. O materialista poderia dizer, dar a sua desculpa: “Eu vivo na vida material porque não há outra”. O espírita, não, ele sabe que a vida continua. Ele sabe que é uma alma imortal, que vai viver no mundo espiritual por milhares de anos, antes de reencarnar. Então ele tem a certeza desse futuro, não pode alegar a ignorância, porque sabe, sim. E não adianta tentar tapear a consciência ou Deus, não tem jeito.
Como diz Pacal, se chegar do lado de lá sem virtudes, será um miserável. Não adianta inventar desculpas, porque a justiça de Deus é muito simples: a cada um segundo as suas obras.
Se não realizou a conquista das virtudes, será um miserável. Não adianta dizer “A minha mãe era boa, era uma santa”. Graças a Deus por ela: ela realizou a virtude, viverá virtuosamente. Quem não conquistou a virtude viverá miseravelmente, não tem saída.
A virtude não pode ser transferida de um para outro. É um patrimônio individual, pessoal e intransferível, é uma conquista do indivíduo no seu esforço diário. Ou se faz o esforço diário ou se vai atrasando a felicidade por milhares de anos. Está na mão de cada um.
Deus não tem pressa para que nós cheguemos no estado de Espírito puro ou perfeito. Ele sabe que mais cedo ou mais tarde chegaremos lá. Mas se estamos adiando a nossa felicidade, o problema é nosso. Vamos demorar mais, vamos sofrer mais. Mas nunca poderemos nos queixar da lei de Deus, porque ela é sábia, ela deu a cada um a oportunidade necessária para crescer e para avançar.
Então, é urgente praticar o autoconhecimento todos os dias. Ao chegarmos em casa hoje vamos orar ao anjo guardião, pedir que ele nos ajude a identificar os nossos defeitos, para que no dia seguinte possamos corrigi-los. Porque, se começarmos hoje, podemos ainda ter muito tempo nessa vida; mas não sabemos quando partiremos.
Então, na dúvida, façamos a partir de hoje. Porque pode ser que amanhã já morramos, ou depois de amanhã, ou daqui a um ano, dois anos, pouco interessa, mas comecemos agora o trabalho do autoconhecimento para a construção, dentro de si, de um homem melhor, de um ser humano mais virtuoso, que vive a prática do bem. Comece agora a preparar a bagagem adequada ao local de destino após a morte do corpo.
Só há um jeito de evoluir na escala espírita: eliminando todas as emoções ruins e desenvolvendo as virtudes. E só se elimina praticando, por mais constrangimento que isso nos traga. Não é discurso, é prática.
Vamos estudar e compreender a teoria das leis morais, e então vamos colocá-las em nossas vidas utilizando esse meio prático trazido por Santo Agostinho; vamos olhar para nós à noite, investigar nossos sentimentos, nossas ações durante o dia, pedir ajuda ao anjo guardião para que ele nos ajude, nos dê inspiração para que consigamos ver nosso mundo interior como de fato ele é, sem autoengano. Vamos descobrir nossos sentimentos, nossas emoções, nossos desejos mais profundos, para termos um dia seguinte de avanço comportamental, em que seremos mais justos, mais alegres, mais felizes, para que nosso dia se torne diferente.
Agora temos uma força poderosa para resistir à atração do mal, a força do anjo guardião, que nos acompanha ao longo de toda nossa existência. A escolha é nossa: aprender a ouvir o nosso protetor, ou viver com nossos vícios. Se não começarmos a praticar todos os dias essa conversa com o anjo guardião, nunca aproveitaremos esse poderoso instrumento que Deus colocou à nossa disposição.
É por isso que eu costumo dizer sempre: precisamos estudar mais Kardec, para compreender Kardec, mas acima de tudo para viver os seus ensinamentos, porque viver Kardec é viver Jesus.
*O texto completo é resultado das transcrições de quatro palestras do professor Cosme Massi citadas abaixo, e de trecho do vídeo do Kardecplay (nº 143: “Conhecimento de si mesmo”).
Sociedade Colatinense de Estudos Espíritas - palestra em 20/08/2017. “A contribuição de Kardec para o autoconhecimento”. RAETV - Rede Amigo Espírita TV.
G.E.E.S GRUPO DE ESTUDOS ESPÍRITA SEMEAR - palestra em 21 de fevereiro de 2021.
Sala de Estudos Chico Xavier- “O Conhecimento de Si Mesmo” - Parte 1
Sala de Estudos Chico Xavier – “O Conhecimento de Si Mesmo” – Parte 2
Trecho do vídeo 143 do KARDECPLAY – “Conhecimento de si mesmo.”
*Observação. O texto acima foi retirado de uma exposição de viva voz. Como todo ensino oral, esta colocação pode não ser tão rigorosa com os sentidos das palavras, por efeito da proximidade entre as pessoas que conversam. É preciso, por isso, considerar que as definições dadas podem ser provisórias, e que alguns termos são usados em sentido figurado. Em todo caso, o fundo da mensagem não deixa equívocos.
Cosme Massi é Físico, Doutor e Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela UNICAMP. Foi professor, pró-reitor e diretor de diversas universidades no Brasil. Ganhador do Prêmio Moinho Santista em Lógica Matemática. Escritor, palestrante e estudioso das obras e do pensamento de Allan Kardec há mais de 30 anos. Idealizador do IDEAK (Instituto de Divulgação Espírita Allan Kardec) e da KARDECPEDIA, plataforma grátis para estudos das obras de Allan Kardec. Reúne mais de duzentas aulas de Espiritismo na plataforma KARDECPlay.
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