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Cosme Massi esclarece dúvidas sobre o Espiritismo para o Jornal Norte Espírita
Entrevistas Cosme Massi

Cosme Massi esclarece dúvidas sobre o Espiritismo para o Jornal Norte Espírita

Publicação original de Jornal Norte Espírita | União Regional Espírita Metropolitana Norte (URE Norte) Edição N. º 01 - Julho - 2015.


O Jornal Norte Espírita, procurando resgatar as bases do pensamento Kardequiano, convidou um grande pesquisador das obras de Allan Kardec, Cosme Massi, de Curitiba, para responder a algumas perguntas que os interessados em conhecer o Espiritismo têm feito.


São elas:


  1. Em que sentido se pode considerar o Espiritismo como sendo uma religião?

  2. O Espiritismo insere-se entre as religiões cristãs? Qual o vínculo entre Jesus e a Doutrina Espírita?

  3. Algumas afirmações de A Gênese parecem contrariar descobertas mais modernas na ciência. O que pensa a respeito?

  4. Há uma aparente contradição entre O Livro dos Médiuns e a Gênese, quanto à existência da possessão. Existe alguma justificativa para isso?

  5. Na época de Kardec, a evocação constituía algo relativamente comum. Não só ele a praticava, na Sociedade Espírita de Paris, e mesmo em casa, como muitos outros grupos e médiuns em vários locais do mundo. Hoje, ela é quase um tabu. Qual a sua opinião sobre isso? A evocação continua uma prática legítima? Qual seria o contexto aceitável para ele se dar? Os grupos e médiuns precisam de alguma qualificação especial para esse mister?

  6. O que pensa de reuniões mediúnicas privadas, levadas a efeito em lares, e não em centros espíritas?


O Espiritismo é uma religião?


Nesta primeira edição, Cosme Massi responde a primeira pergunta:


Em que sentido se pode considerar o Espiritismo como sendo uma religião?


As palavras sofrem daquilo que os especialistas denominam de "polissemia", ou variedade de sentidos ou significados. Basta examinar um dicionário para percebermos que as palavras são polissêmicas.


Em geral, podemos classificar a polissemia em dois grandes grupos: a polissemia simétrica e a assimétrica.


A polissemia simétrica ocorre quando uma palavra não tem um sentido dominante. O sentido ou significado só pode ser entendido pelo contexto em que a palavra for utilizada. Assim, por exemplo, a palavra cabo não tem um significado dominante. Pode ser um cabo de panela, um patente militar, um acidente geográfico e vários outros significados. Todos são igualmente considerados. Somente pelo contexto podemos escolher qual significado devemos adotar num dado caso.


Com a polissemia assimétrica ocorre algo diferente. Neste caso, há um sentido dominante, isto é, existe um significado comum que normalmente as pessoas entendem quando a palavra é empregada. Quando se utiliza a palavra, mesmo isoladamente, você tende a considerar o sentido dominante como o mais adequado. Este é o caso da palavra religião. Quando dizemos que uma doutrina é uma religião, entendemos esta palavra no seu sentido usual, como um determinado tipo de doutrina, com seus dogmas, seus cultos, seus rituais e sacerdotes.

Quando se empresa uma palavra, como religião, que possui um sentido dominante, espera-se que o leitor a interprete nesse sentido usual. Caso queiramos utilizá-la em outro sentido, diferente do usual, esse outro significado precisa ser tornado explícito.


Foi exatamente o que fez Kardec ao utilizar a palavra religião num artigo notável publicado na Revista Espírita do mês de Dezembro de 1868: "Sessão anual comemorativa dos mortos: O Espiritismo é uma religião?".


Kardec explica o sentido especial para a palavra religião que ele estaria utilizando neste artigo:


Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembleias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos;é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço. Uma religião, em sua acepção ampla e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunhão de sentimentos, de princípios e de crença


Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1868 > Dezembro > Sessão anual comemorativa dos mortos


Para deixar claro esse sentido especial de laço ou ligação dos homens entre si, Kardec denomina tal sentido de sentido filosófico da palavra religião:


Se assim é, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as mais sólidas bases: as próprias leis da Natureza. 


Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1868 > Dezembro > Sessão anual comemorativa dos mortos


Esse laço entre os homens, que permite atribuir o caráter de uma religião ao Espiritismo, no sentido filosófico do termo, é explicado por Kardec:


Qual é, pois, o laço que deve existir entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato material, por nenhuma prática obrigatória; qual o sentimento no qual se devem confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para com todos, ou, por outras palavras: o amor ao próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os mortos também fazem parte da Humanidade. 


Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1868 > Dezembro > Sessão anual comemorativa dos mortos


Esse sentido filosófico, de ligação ou comunhão de pensamentos e sentimentos, não pode ser confundido com o sentido usual de religião. No sentido usual do termo, Kardec sempre afirmou o contrário. Essa sua posição contra o emprego da palavra religião ao Espiritismo, no sentido usual do termo, ele explica da seguinte maneira:


Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e porque, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da ideia de culto; porque ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se quiserem, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; ele não o separaria das ideias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião pública se levantou. 


Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1868 > Dezembro > Sessão anual comemorativa dos mortos


Kardec também justifica o qualificativo de filosofia que ele sempre deu ao Espiritismo:


Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor as pessoas inevitavelmente ter-se-iam equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral. 


Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1868 > Dezembro > Sessão anual comemorativa dos mortos


Como nenhuma ciência, ou filosofia, contém princípios absolutos em matéria de fé, cerimônias, casta sacerdotal, práticas exteriores de adoração e culto, nenhuma doutrina pode ser ao mesmo tempo uma ciência (ou filosofia) e uma religião, no sentido usual dessas palavras.


Para concluir, podemos dizer que o Espiritismo é uma ciência e uma filosofia, no sentido usual dessas palavras; e uma religião, no sentido filosófico do termo.


  • NOTA:
    Cosme Massi mora em Curitiba, é pesquisador e especialista na obra de Allan Kardec há quase 40 anos. Graduado em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem título de mestre e doutor em Filosofia da Ciência e Lógica pela Universidade de Campinas.


Publicação original de Jornal Norte Espírita | União Regional Espírita Metropolitana Norte (URE Norte) Edição N. º 01 - Julho - 2015.


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