Das competências de Amélie Boudet: A obra de Kardec foi deixada ao relento?
No dia do aniversário de Amélie Gabrielle Boudet, esposa fiel e companheira ativa e lúcida de Allan Kardec e dos Espíritos na construção do Espiritismo, o IDEAK reitera, agora com o apoio das constatações historiográficas que reproduz abaixo, o que já afirmava com base em seus julgamentos históricos e doutrinários: que as alterações existentes na quinta edição de “A Gênese” e na quarta edição de “O Céu e o Inferno” não são fruto de adulteração.
A pesquisa abaixo foi realizada em conjunto pelo Museu Allan Kardec On-line, pelo site Obras de Kardec, por Charles Kempf, e pelo Codification Séances Investigation (CSI do Espiritismo), tendo sido publicada em suas páginas na internet, donde a reproduzimos com as adaptações oportunas.
Equipe IDEAK.
Relatório da Sociedade Anônima indica o papel atuante que nela tinha Amélie Boudet, e registra como impressos exemplares da quinta e da sexta edições de A Gênese de 1869, bem como da quarta edição de O Céu e o Inferno. Relatório corrobora, ademais, os depoimentos do tipógrafo Rousset e de Desliens, e confirma que a quarta edição de O Céu e o Inferno foi impressa com Kardec em vida.
O museu AKOL (AllanKardec.online) apresenta mais uma fonte histórica primária que ajuda a entender um pouco melhor a historiografia do Espiritismo, em especial os fatos históricos relativos à quinta edição de A Gênese e à quarta edição de O Céu e o Inferno: "Inventaire Général de l'année 1873 — Composé de tous les ouvrages de fonds et d'assortiments, brochés et reliés, existant dans les magazins de la Société anonyme et fait par Madame Allan Kardec (commissaire de surveillance) et M. Leymarie (administrateur)".
Sobre o Estatuto da Société Anonyme à Parts d'Intérêt et à Capital Variable de la Caisse Générale et Centrale du Spiritisme
Conforme os artigos 14º e 15º do Estatuto da Sociedade Anônima, datado de 22 de julho de 1869, que regula as funções dos Auditores de Fiscalização (conhecidos como membros do Conselho Fiscal), dois integrantes eram nomeados anualmente em assembleia geral, para efetuar a fiscalização nas operações da sociedade. Além disso, analisavam a situação passiva e ativa da empresa, podendo convocar a Assembleia Geral da Sociedade Anônima, possuindo, inclusive, voz deliberativa.
De acordo com o artigo 16º do referido Estatuto, ao término do exercício anual (que se referia ao período de 1º de abril a 31 de março, conforme previsão estatutária em seu artigo 25º), os Auditores de Fiscalização apresentavam um relatório à assembleia geral sobre a situação da Sociedade, a partir do balanço e da prestação de contas apresentadas pelos administradores.
Este mesmo artigo 16º tinha a previsão de que, quinze dias antes da reunião da Assembleia Geral, fosse enviada uma cópia do relatório a todos os sócios, bem como do relatório do inventário resumido.
Conforme verificado no Estatuto, o fundo social — capital de fundação — foi fixado em 40.000 francos (a informação também constou na Revista espírita de agosto de 1869). Podemos verificar que Amélie Boudet detinha 62,5% deste, conforme está descrito no artigo 7º do referido estatuto.
Ou seja, a senhora Kardec era a acionista majoritária da recém-criada Sociedade Anônima.
Além disso, temos demonstrado a intenção, desde o desencarne de Allan Kardec, da participação ativa da viúva Kardec nos rumos do Espiritismo, conforme relato da sessão da Sociedade de Paris de 16 de abril de 1869, publicada na Revista espírita de maio daquele ano, no artigo "Caixa Geral do Espiritismo — Decisão da Senhora Allan Kardec".
Neste artigo é informado que Amélie Boudet era a única proprietária legal das obras e da Revista, e que resolveu doar anualmente à Caixa Geral do Espiritismo o excedente dos lucros provenientes da venda dos livros espíritas e das assinaturas da Revista, bem como das operações da Livraria Espírita, mas com a condição expressa de que ninguém, a título de membro da Comissão Central ou outra, tivesse o direito de imiscuir-se neste negócio industrial, e que os recebimentos, fossem quais fossem, seriam recolhidos sem observação, já que pretendia tudo gerir pessoalmente: programar as reimpressões das obras, as publicações novas, regular a seu critério os emolumentos de seus empregados, o aluguel, as despesas futuras, numa palavra, todos os gastos gerais.
Conforme podemos verificar na ata da segunda Assembleia Geral, realizada em 13 de agosto de 1869, Amélie Boudet é nomeada Auditora de Fiscalização, juntamente com Gustave Achille Guilbert, para os anos civis de 1869 e 1870. O que demonstra que, além de acionista majoritária, ela exercia a fiscalização das operações que eram desenvolvidas pela Sociedade Anônima, mantendo as diretrizes propostas no relato da sessão da Sociedade de Paris de 16 de abril de 1869, publicado na Revista espírita de maio daquele ano.
O Livro de Inventário do Ano civil de 1873 — Primeira parte
Neste documento inédito, que trata do Inventário Geral do ano civil de 1873 da Sociedade Anônima, encontramos Amélie Boudet — cujo nome figura na capa do documento — como integrante do quadro de Auditores de Fiscalização daquele ano, juntamente com P. G. Leymarie como administrador. Este Inventário é composto de 47 páginas e relaciona todo o estoque existente na Sociedade Anônima ao fim do ano social de 1873.
Como vimos, o Auditor de Fiscalização tinha como função a fiscalização das operações da Sociedade, além de ser responsável pela elaboração do Relatório resumido do Inventário. E, como observamos, uma das pessoas que ocupou este cargo, no ano civil de 1873, foi Amélie Boudet.
Os artigos 32º, 33º e 34º da Lei de 24 de julho de 1867 da França regulavam as funções dos Auditores de Fiscalização — "commissaire de surveillance" [6]. Nestes artigos encontramos que os auditores eram os responsáveis por reportar à assembleia geral do ano seguinte a situação da Sociedade, sobre o balanço e sobre as contas apresentadas pelos administradores. A deliberação que contém a aprovação do balanço e das contas seria nula se não fosse precedida de parecer dos auditores. Os auditores tinham o direito, sempre que considerassem próprio do interesse social, tomar conhecimento dos livros e revisar as operações da empresa, podendo sempre, em caso de urgência, convocar a assembleia geral.
Na página em que constam os "Livres de Fonds — Ouvrages de M. Allan Kardec", temos as seguintes informações sobre alguns dos itens relacionados do estoque, naquela data:
1.048 exemplares (folhas dobradas e costuradas em cadernos) do livro "Le Ciel et l’Enfer — 4e édition" com um valor unitário de 1,00 franco, totalizado 1.048,00 francos;
3 exemplares (encadernados) do mesmo livro e da mesma edição, com um valor unitário de 1,80 franco, totalizando 5,40 francos;
195 exemplares (folhas dobradas e costuradas em cadernos) do livro "La Genèse, 5e édition" , com um valor unitário de 1,30 franco, totalizando 253,00 francos;
900 exemplares (em folhas grandes antes da dobragem) do livro "La Genèse, 5e édition", com um valor unitário de 1,00 franco, totalizando 900,00 francos;
1.000 exemplares (em folhas grandes antes da dobragem) do livro "La Genèse, 6e édition", com um valor unitário de 1,00 franco, totalizando 1.000,00 francos.
Na página em que constam "Rectifications diverses" (Retificações diversas), encontramos as seguintes informações sobre estes respetivos itens do Inventário:
Sobre o livro "Le Ciel et l’Enfer" é informado que o mesmo custou 1,65 franco por volume, em fevereiro de 1869 (tiragem 2.200); e que seria necessário transportar, além do total de 1.048 francos, 0,65 a mais por volume, totalizando 681,20 francos;
Sobre o título "La Genèse" em folhas grandes antes da dobragem, de 900 volumes, em 1869, quinta e sexta edições, é informado que, com impressão de 2.200 unidades, em 1869, seria necessário transportar (porque custa 1,30) mais 0,30 por volume. Totalizando, assim, para a quinta edição, de 900 volumes, 270,00 francos, e, para a sexta edição, de 1.000 volumes, 300,00 francos.
Vale o devido esclarecimento sobre o a que se referem estas "Rectifications diverses" (retificações diversas): os itens do estoque (os 1.048 exemplares, de folhas dobradas e costuradas em cadernos, do livro "Le Ciel et l’Enfer, 4e édition" e os 900 exemplares, em folhas grandes antes da dobragem, do livro "La Genèse, 5e édition") tiveram seus custos reavaliados e corrigidos no referido relatório. O livro "Le Ciel et l’Enfer, 4e édition" (em folhas dobradas e costuradas em cadernos) passou a ter o valor unitário de 1,65 franco para 1.048 exemplares, totalizando, então, 1.729,20 francos (1.048,00 francos + 681,20 francos); o livro "La Genèse, 5e édition" (em folhas grandes antes da dobragem) passou a ter o valor unitário de 1,30 franco para 900 exemplares, totalizando 1.170,00 francos (900,00 francos + 270,00 francos); e, finalmente, o livro "La Genèse, 6e édition" passou a ter o valor unitário de 1,30 franco para 1.000 exemplares, totalizando 1.130,00 francos (1.000,00 francos + 300,00 francos).
Conclusão
Com a apresentação deste inédito documento, onde estão relacionados os itens que compõem o inventário do final do ano social de 1873, identificamos algumas importantes e reveladoras informações, que nos permitem fazer algumas observações:
1. A quarta edição do livro "Le Ciel et l’Enfer" teve o custo de 1,65 franco em fevereiro de 1869 — indicando, portanto, que a 4ª edição teria sido impressa antes de fevereiro de 1869, com uma tiragem de 2.200 exemplares.
2. A quinta e a sexta edições do livro "La Genèse" foram impressas em 1869 (ou mesmo em 1868) ao custo de 1,30 franco. Esta informação está de acordo com o pedido feito na Declaração de Impressão de fevereiro de 1869, e indica que este pedido possa ter sido utilizado para essas duas edições. E, segundo as informações constantes no inventário, foram impressos 2.200 exemplares no ano de 1869.
3. Amélie Boudet era acionista majoritária na fundação da Sociedade Anônima. Além disso, foi eleita em assembleia geral para a função de "commissaire de surveillance" (Auditora de Fiscalização do Conselho Fiscal da S/A) para os anos civis de 1869 e 1870.
4. Amélie Boudet, no ano civil de 1873, continuava atuante e, ainda, fiscalizava as operações da Sociedade Anônima, ocupando o cargo de "commissaire de surveillance".
5. Amélie Boudet tinha conhecimento da quinta edição do livro A Gênese, impressa em 1869 (ou 1868), pois este item, juntamente com sua descrição, estava devidamente relacionado em duas páginas do Relatório de Inventário físico do ano social de 1873, inclusive com informações detalhadas sobre os custos de impressão.
6. Amélie Boudet tinha conhecimento de uma sexta edição do livro A Gênese, impressa em 1869 (ou 1868), pois este item, juntamente com sua descrição, estava devidamente relacionado em duas páginas do Relatório de Inventário físico do ano social de 1873, inclusive com informações detalhadas sobre os custos de impressão.
7. Amélie Boudet tinha conhecimento da impressão da quarta edição de O Céu e o Inferno antes de fevereiro de 1869, pois esta informação estava devidamente detalhada no Relatório de Inventário físico do ano social de 1873, inclusive com informações detalhadas sobre os custos de impressão.
Algumas observações importantes, que julgamos necessárias, com relação aos itens acima:
— Na Revista espírita de julho de 1869 temos a informação de que a quarta edição de "O Céu e o Inferno, ou a justiça divina segundo o Espiritismo", estava à venda em 1º de junho daquele ano. E informava que a parte doutrinária desta nova edição, inteiramente revista e corrigida por Allan Kardec, havia sofrido importantes modificações. Alguns capítulos haviam sido inteiramente refundidos e consideravelmente aumentados.
— Cada edição mensal da Revista espírita é elaborada no mês anterior. Ou seja, a Revista espírita de julho de 1869 foi elaborada em junho de 1869, com a total supervisão da senhora Kardec, conforme informações que vimos na Revista espírita de maio daquele ano.
— Em junho de 1869 ainda não havia sido criada a Société Anonyme à Parts d’Intérêt et à Capital Variable de la Caisse Générale et Centrale du Spiritisme.
— Durante os anos de 1870 e 1871 tivemos a Guerra Franco-Prussiana. Este fato prejudicou o funcionamento da Sociedade Anônima, que teve o seu quadro de funcionários administrativos reduzido para duas pessoas e, em 1873, para uma, deixando Leymarie como o único administrador. Amélie Boudet continuava diligente na preservação da memória e das obras de Allan Kardec. Tome-se como exemplo a alteração do título que foi originalmente dado à empresa, por influência da Sra. Allan Kardec, que o achava comercial demais. O nome foi alterado em assembleia geral realizada em 18 de outubro de 1873. Em vez de "Societé anonyme, à parts d’intérêt et à capital variable de la caisse générale du Spiritisme", a denominação da razão social da S/A passa a ser "Societé pour la continuation des Œuvres spirites d’Allan Kardec" (Sociedade para Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec) [7].
Sobre o processo de produção de livros na França do século XIX
Uma vez rascunhado um livro, seus manuscritos possivelmente precisavam ser passados a limpo para serem entregues ao tipógrafo [8], que preparava então os caracteres móveis juntando-os em linhas e, depois, juntando as linhas nas páginas.
As provas eram impressas através do prelo, que é uma máquina de impressão mais simples, para que o autor pudesse fazer as correções necessárias. Foi isso que aconteceu em setembro de 1868 com a quinta edição de A Gênese [9], e antes de fevereiro de 1869 com O Céu e o Inferno.
Uma vez aprovada a versão final, podia iniciar-se a produção, que usava então frames (formas ou molduras) com caracteres móveis, mas com várias páginas; no formato in-8, por exemplo, tínhamos 8 páginas por frame:
Tanto A Gênese como O Céu e o Inferno utilizaram o formato in-18, com 18 páginas por frame:
Geralmente usava-se uma folha de impressão (feuille) do tamanho jésus, de 56 cm por 72 cm, que, impressa frente e verso, garantia 36 páginas de livro, no tamanho de 18,67cm por 12cm.
Após esta etapa as folhas eram secas e armazenadas em pilhas, ou então dobradas e cortadas, provavelmente com uma máquina apropriada:
Depois, para reutilizar os caracteres móveis, quando não se projetava mais fazer revisões, mas ainda se desejava fazer reimpressões, as matrizes (empreintes) eram feitas para posteriormente se produzirem as matrizes fundidas (empreintes fondues) e os clichês, o que impossibilitava alterações a partir disso [10]. Matrizes não servem para impressão, mas apenas para fabricação de clichês.
O tipógrafo Rousset disse em seu depoimento de 04/12/1884 que a fatura das matrizes da Gênese alterada foi emitida a Allan Kardec no final de 1868 (afinal a revisão já estava concluída), e que todas as matrizes foram fundidas para se fazerem os clichês em 04/1883 (e não derretidas para serem destruídas, o que seria uma interpretação equivocada da declaração dele). Acrescenta ainda que os clichês foram retirados pelo motorista do Sr. Aureau no mesmo mês (o que faz sentido, pois o Sr. Aureau é o dono da tipografia responsável pelas sétima e oitava edições da Gênese de 1883) [11]. Comparando a quinta e a sexta edições dessa obra, vemos que foram usados caracteres móveis em ambas, pois as mesmas falhas tipográficas se repetem [12] — e não aparecem na sétima edição [13], que usou clichês [figura 8]. Por isso é mais provável que as folhas da quinta edição de 1872 também tenham sido impressas na tiragem de 1868.
Já Desliens afirmou, em 01/03/1885, que embora a primeira tiragem (das primeiras edições não alteradas) ainda não se tivesse esgotado (isso significa que tinham exemplares impressos em estoque), Allan Kardec dispôs que se fizesse uma nova tiragem em 1868, da quarta, da quinta e da sexta edições (alteradas; mas, visto que a quarta edição de 1868 é idêntica às três primeiras, seria um engano de Desliens?... ou seria má-fé ou displicência de Leymarie, confirmada na alteração sem sentido que fez na comunicação de 22/01/1868 em Obras Póstumas?... ou poderia ter existido uma quarta edição alterada ainda não localizada?). É essa a tiragem que vinha sendo objeto das edições publicadas de 1869 a 1871 e seguintes (não sabemos se a sexta edição da Gênese saiu em 1871 ou 1872). Ele também narra a utilização das matrizes e clichês [14].
Ressaltamos que uma tiragem é a impressão de uma quantidade de exemplares de uma obra pela tipografia, que se devia fazer conforme informado por ela ao governo em uma Declaração de Impressão (DI). No caso, a primeira tiragem corresponde à DI de 1867, com o conteúdo original, e a segunda tiragem, à DI de 1869, com o conteúdo atualizado. Tudo indica que a DI era então utilizada apenas para publicação, uma vez que a quarta edição de O Céu e o Inferno, já impressa em fevereiro, teve a DI feita só em julho. Que dizer então da DI de 1872 da quinta edição da Gênese, cujo depósito legal foi feito quatro dias depois da DI, incluindo aí um fim de semana? Este fato nos leva ao forte indício de que a obra já estava pronta para ser depositada.
O Livro de Inventário do ano civil de 1873 — Segunda parte
Já começamos a estudar este Livro de Inventário no começo deste artigo, onde vimos que as folhas da quarta edição de O Céu e o Inferno foram feitas antes de fevereiro de 1869.
Observemos agora a quantidade de apenas treze exemplares em estoque da terceira edição da Gênese, enquanto para a quinta edição havia 195 livros, a que faltava incluir a capa (brochés, isto é, folhas dobradas e costuradas em cadernos) e 900 exemplares em folhas de impressão (feuille) antes da dobragem, além de 1000 exemplares da sexta edição, também em folhas de impressão. Tudo isso é consistente com o depoimento de Desliens.
Notamos ainda a existência de matrizes (empreintes) de A Gênese e de O Céu e o Inferno. Lembramos novamente que matrizes não servem para impressão, que são feitas ou em caracteres móveis ou em clichês. As matrizes são guardadas apenas para congelar o texto em uma espécie de fôrma e permitir a posterior produção de clichês. Portanto, estas informações também estão coerentes com os depoimentos de Rousset e Desliens.
Vemos também a existência de matrizes fundidas (empreintes fondues) de Caracteres da Revelação Espírita.
E, finalmente, vemos que as primeiras obras especializadas, como O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e O Evangelho segundo o Espiritismo, já se encontravam com clichês, mas não em O Céu e o Inferno nem em A Gênese. Esta, como Rousset havia mencionado, só seria transformada em clichê em 04/1883.
Conclusões
O relatório da Sociedade Anônima ora encontrado corrobora os depoimentos dados posteriormente pelo tipógrafo Rousset e por Desliens, salvo a menção à quarta edição da Gênese, pois, pelo menos até o presente, não localizamos uma quarta edição alterada.
Conforme documentos apresentados neste artigo, a quinta edição da Gênese já estava com as matrizes (empreintes) faturadas para Allan Kardec, possivelmente o mesmo acontecendo para a quarta edição de O Céu e o Inferno. Pelo exposto de todo o processo fabril, mostramos a grande dificuldade e os custos para se fazerem possíveis alterações, ainda mais que tais matrizes de A Gênese revisada já estavam prontas no final de 1868, o que impedia a alteração do texto, a menos que se fizessem novas matrizes.
Ainda há espaço para uma hipótese já levantada na monografia "Em respeito a Kardec, A Gênese investigada", nos itens 6 e 20, e que foi questionada na errata [9]: existiriam as tiragens "perdidas" pela Livraria Internacional, conforme depoimento de Leymarie, que poderiam ter sido aproveitadas nas impressões da quinta e da sexta edições da obra a partir do final de 1872, ano da falência da Livraria Internacional? Como as obras eram armazenadas também em folhas, esta hipótese passou novamente a ser viável, mas precisaríamos de mais documentos para corroborá-la também. Fato é que, desta forma, a colocação apenas da folha de rosto, com o endereço da Livraria Espírita na Rua de Lille, bem como das propagandas nas contracapas, na hora de transformá-las em brochés, isto é, folhas dobradas e costuradas em cadernos, e depois em reliés (livro incluindo a capa), torna muito mais factível nossa hipótese de aproveitamento.
Em outras palavras, considerando que a quinta edição de 1869, a quinta edição de 1872 e a sexta edição são idênticas e foram feitas a partir de tiragens em caracteres móveis, e que há o depoimento de que as matrizes (empreintes) foram feitas em 1868, após o que, provavelmente, os caracteres móveis foram reaproveitados para outras obras, é provável que a tiragem de todas essas edições tenha sido feita já no final de 1868, e que a Livraria Espírita tenha conseguido recuperar as folhas impressas da Livraria Internacional que faliu em 1872, e onde trabalhava o Sr. Bittard antes de começar na Livraria Espírita. E, finalmente, a tiragem da quarta edição de O Céu e o Inferno foi feita antes de fevereiro de 1869, com declaração de impressão e depósito legal em julho, após processo de "reliés" (confecção do livro incluindo a capa).
Observações finais
Mais uma fonte histórica direta ou primária que se junta a tantas outras que já foram apresentadas, e que estão ajudando a elaborar a historiografia do Espiritismo.
As pesquisas continuam. A cada descoberta apresentaremos o respectivo documento, juntamente com as nossas análises — sempre fundamentadas nas fontes primárias então disponíveis a todos os estudiosos e pesquisadores, de modo que estes possam analisar e aprofundar os seus estudos relativos aos fatos históricos e à historiografia do Espiritismo.
Como nenhuma análise de uma fonte histórica específica tem o condão nem a pretensão de ser definitiva, mas sim fazer parte de um todo baseado em um conjunto documental maior, nós, visando a uma aproximação à realidade histórica, recomendamos — fortemente — a leitura de todas as etapas desta pesquisa que vem sendo desenvolvida desde o início de 2020 para uma melhor compreensão dos fatos históricos que envolvem a quinta edição de A Gênese.
Finalmente, lembramos as palavras dos pesquisadores Robson Nascimento da Cruz [4] e Brozek e Massimi [5]: "o trabalho do historiador assemelha-se à montagem de um quebra-cabeça que nunca é totalmente montado, mas que provê uma imagem passível de interpretação no presente". — "A recuperação dos documentos é uma valiosa contribuição aos nossos conhecimentos... os documentos constituem-se na matéria-prima, dado crucial da historiografia, mas não se constituem propriamente na história. Tornam-se história por meio da análise e interpretação."
Referências
1. Inventaire Général de l'année 1873 da Sociedade Anônima;
2. Revista Espírita de maio, julho e agosto de 1869;
3. Estatuto da Sociedade Anônima - Fotos de Charles Kempf;
4. História e historiografia da ciência: considerações para pesquisa histórica em análise do comportamento - Robson Nascimento da Cruz - http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php…;
5. Brozek, J. & Massimi, M. (2001). Curso de introdução à historiografia da psicologia: apontamentos para um curso breve. Memorandum, 1, 72-78;
6. LES SOCIÉTÉS - En Commandite par Action s, Anonymes et Coopératives - Par J. Bédarride - Tome Deuxième - https://odyssee.univ-amu.fr/…/RES-22980_Bedarride_Loi-juill…;
7. Revue Spirite de janeiro de 1874 - https://www.retronews.fr/…/la…/1-janvier-1874/1829/3285495/8.
8. https://espirito.org.br/…/nem-ceu-nem-inferno-carta-de-kar…/; acesso em 12/11/2020;
9. https://espirito.org.br/…/nem-ceu-nem-inferno-carta-para-i…/; acesso em 12/11/2020;
10. https://medium.com/…/uma-breve-introdução-a-tipografia-5ec4…, https://fr.wikisource.org/wiki/Guide_manuel_de_l’ouvrier_relieur/1, https://bit.ly/36tigu0 e https://bit.ly/35jzAlN; acessos em 12/11/2020;
11. https://www.retronews.fr/…/…/15-decembre-1884/1829/3285751/2; acesso em 12/11/2020;
12. item 16 de https://www.allankardec.online/search?q=gênese+investigada; acessos em 12/11/2020;
13. http://www.oconsolador.com.br/ano12/600/especial.html; acesso em 12/11/2010;
14. https://www.retronews.fr/…/la-r…/15-mars-1885/1829/3285731/9; acesso em 12/11/2020;
15. https://kardecpedia.com/obra/81 ou https://www.allankardec.online/search?q=gênese+investigada; acessos em 12/11/2020.
Baixe os documentos e a análise completa em: https://www.allankardec.online/search?q=inventario.