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Fevereiro 2017 • Constituição transitória do Espiritismo
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Fevereiro 2017 • Constituição transitória do Espiritismo

Leitura Mensal

Ano 03 | Edição 220 | Fevereiro • 2017 | Revista Espírita • Jornal de Estudos Psicológicos • Dezembro de 1868 - Constituição transitória do Espiritismo


Constituição transitória do Espiritismo


Extrato do relatório da caixa do Espiritismo feito à Sociedade de Paris em 5 de maio de 1865. 


Falaram muito dos lucros que eu obtinha com as minhas obras; ninguém sério acredita realmente em meus milhões, malgrado a afirmação dos que diziam saber de boa fonte que eu tinha um estilo de vida principesco, equipagens a quatro cavalos e que em minha casa só se pisava em tapetes de Aubusson. (Revista de junho de 1862). A despeito do que tenham dito, além disso, o autor de uma brochura que conheceis, e que prova, por cálculos hiperbólicos, que o orçamento das minhas receitas ultrapassa a lista civil do mais poderoso soberano da Europa, porque, só na França, vinte milhões de espíritas são meus tributários (Revista de junho de 1863), há um fato mais autêntico do que os seus cálculos. É que jamais pedi qualquer coisa a quem quer que seja, e ninguém jamais me deu nada, a mim pessoalmente; numa palavra, não vivo às custas de ninguém, pois que, das somas que me foram voluntariamente confiadas no interesse do Espiritismo, nenhuma parcela foi desviada em meu proveito[2].

Minhas imensas riquezas proviriam, pois, de minhas obras espíritas. Embora essas obras tenham tido um sucesso inesperado, basta ter poucas noções de negócios de livraria para saber que não é com livros filosóficos que se amontoam milhões em cinco ou seis anos, quando se tem sobre a venda direitos autorais de apenas alguns cêntimos por exemplar. 

Mas, muito ou pouco, sendo esse produto o fruto de meu trabalho, ninguém tem o direito de se imiscuir no emprego que dele faço, mesmo que se elevasse a milhões, considerando-se que a venda dos livros, assim como a assinatura da Revista, é facultativa e não é imposta em qualquer circunstância, nem mesmo para assistir às sessões da Sociedade, ninguém tem nada com isto. Comercialmente falando, estou na posição de todo homem que colhe o fruto de seu trabalho; corro o risco de todo escritor, que pode vencer como pode fracassar[3].

Posto que, sob este ponto de vista, eu não tenha contas a prestar, creio útil, pela própria causa à qual me votei, dar algumas explicações. 

Para começar, direi que não sendo as minhas obras minha propriedade exclusiva, sou obrigado a comprá-las do meu editor e a pagá-las como um livreiro, com exceção da Revista;que o lucro se acha singularmente diminuído pelas obras que não são vendidas e pelas distribuições gratuitas, feitas no interesse da Doutrina, a pessoas que sem isto delas estariam privadas. Um cálculo muito simples prova que o preço de dez volumes perdidos ou doados, que não deixo de pagar, basta para absorver o lucro de cem volumes. Isto seja dito à guisa de informação e entre parênteses. Tudo somado e feito o balanço, contudo resta alguma coisa. Imaginai a cifra que quiserdes. O que faço com ela? Isto é o que mais preocupa certas criaturas. 

Quem quer que outrora tenha visto a nossa intimidade e a veja hoje, pode atestar que nada mudou em nossa maneira de viver depois que passei a ocupar-me do Espiritismo. Ela é agora tão simples quanto era outrora. Então é certo que os meus lucros, por enormes que sejam, não servem para nos dar os prazeres do luxo. Será que eu teria a mania de entesourar para ter o prazer de contemplar meu dinheiro? Não penso que o meu caráter e os meus hábitos jamais tenham podido fazê-lo supor. Por que as coisas são assim? Considerando-se que disso não tiro proveito, quanto mais fabulosa a soma, mais embaraçosa a resposta. Um dia saberão a cifra exata, assim como o emprego detalhado, e os criadores de histórias poderão economizar a imaginação. Hoje limito-me a alguns dados gerais, para pôr um freio em suposições ridículas. Para tanto, devo entrar nalguns detalhes íntimos, pelo que vos peço perdão, mas que são necessários. 

Em todos os tempos temos tido de que viver, muito modestamente, é certo, mas o que teria sido pouco para certa gente nos bastava, graças aos nossos gostos e aos nossos hábitos de ordem e de economia. À nossa pequena renda vinha juntar-se o produto das obras que publiquei antes do Espiritismo, e o de um modesto emprego que tive de deixar quando os trabalhos da Doutrina absorveram todo o meu tempo. 

Tirando-me da obscuridade, o Espiritismo veio lançar-me numa nova via; em pouco tempo vi-me arrastado num movimento que estava longe de prever. Quando concebi a ideia de O Livro dos Espíritos, minha intenção era não me pôr em evidência e ficar incógnito, mas, logo ultrapassado, isto me foi impossível: tive que renunciar à minha solitude, sob pena de abdicar a obra empreendida e que crescia dia a dia. Foi-me preciso seguir o seu impulso e tomar-lhe as rédeas. Se meu nome tem agora alguma popularidade, não fui eu, certamente, que a busquei, pois é notório que não a devo nem à propaganda, nem à camaradagem da imprensa, e que jamais me aproveitei de minha posição e de minhas relações para me lançar na Sociedade, quando isto teria sido fácil. Mas, à medida que a obra crescia, um horizonte mais vasto se desenrolava à minha frente, cujos limites recuavam. Compreendi, então, a imensidade de minha tarefa e a importância do trabalho que me restava a fazer para completá-la. Longe de me apavorar, as dificuldades e os obstáculos redobraram a minha energia; vi o objetivo, e resolvi atingi-lo com a assistência dos bons Espíritos. Eu sentia que não tinha tempo a perder e não o perdi nem em visitas inúteis, nem em cerimônias ociosas. Foi a obra de minha vida; a ela dei todo o meu tempo; a ela sacrifiquei o meu repouso, a minha saúde, porque o futuro estava escrito diante de mim em caracteres irrefutáveis. 

Sem nos afastarmos do nosso gênero de vida, essa posição excepcional não deixou de criar-nos necessidades às quais apenas meus recursos não permitiam prover. Seria difícil imaginar a multiplicidade de gastos que ela determina, e que sem isso eu teria evitado. 

Ora! senhores, o que me proporcionou essa suplementação de recursos foi o produto de minhas obras. Eu digo com satisfação que foi com o meu próprio trabalho, com o fruto de minhas vigílias que provi, pelo menos na maior parte, as necessidades materiais da instalação da Doutrina. Eu trouxe, assim, uma grande quota-parte à caixa do Espiritismo. Os que ajudam na propagação das obras não poderão, assim, dizer que trabalham para me enriquecer, pois o produto de todo livro comprado, de toda assinatura da Revista,beneficia a Doutrina e não um indivíduo. 

Prover o presente não era tudo; também era preciso pensar no futuro e preparar uma fundação que, depois de mim, pudesse ajudar aquele que me substituirá na grande tarefa que terá de cumprir. Essa fundação, sobre a qual me devo calar ainda, se liga à propriedade que possuo, e é em vista disso que eu aplico uma parte de meus rendimentos em melhorá-la. Como estou longe dos milhões com que me gratificaram, duvido muito que, a despeito de minhas economias, meus recursos pessoais jamais me permitam dar a essa fundação o complemento que lhe queria dar em minha vida; mas, considerando-se que sua realização está nos planos de meus guias espirituais, se eu mesmo não o fizer, é provável que algum dia isto seja feito. Enquanto espero, elaboro os seus planos. 

Longe de mim, senhores, o pensamento de envaidecer-me pelo que vos acabo de expor; foi necessária a persistência de certas diatribes para me levar, embora com pesar, a romper o silêncio sobre alguns fatos que me concernem. Mais tarde, todos aqueles que a malevolência houve por bem desnaturar serão trazidos à luz por documentos autênticos, mas o momento dessas explicações ainda não chegou; a única coisa que me importava no momento era que ficásseis esclarecidos sobre o destino dos fundos que a Providência fez passar por minhas mãos, fosse qual fosse a origem. Não me considero senão depositário, mesmo daqueles que ganho, e, com mais forte razão, daqueles que me são confiados. 

Alguém me perguntava um dia, sem curiosidade, bem entendido, e por puro interesse pela causa, o que eu faria de um milhão, se o tivesse. Respondi que hoje o emprego seria completamente diferente do que teria sido no princípio. Outrora eu teria feito propaganda por uma ampla publicidade; agora reconheço que isso teria sido inútil, pois os nossos adversários disto se encarregaram às suas custas. Não pondo, então, grandes recursos à minha disposição para esse objetivo, os Espíritos quiseram provar que o Espiritismo devia seu sucesso à sua própria força. 

Hoje, que o horizonte se alargou, que sobretudo o futuro se desdobrou, necessidades de uma outra ordem se fazem sentir. Um capital como o que supondes teria um emprego mais útil. Sem entrar em detalhes que seriam prematuros, direi apenas que uma parte serviria para converter minha propriedade numa casa especial de retiro espírita cujos habitantes colheriam os benefícios de nossa doutrina moral; a outra para constituir uma renda inalienável destinada: 1º - à manutenção do estabelecimento; 2º - para assegurar uma existência independente àquele que me suceder e àqueles que o ajudarem em sua missão; 3º - para atender às necessidades correntes do Espiritismo, sem os riscos de produtos eventuais, como sou obrigado a fazer, pois a maior parte de seus recursos repousa em meu trabalho que terá um termo. 

Eis o que eu faria. Mas se esta satisfação não me é dada, sei que, de uma maneira ou de outra, os Espíritos que dirigem o movimento proverão a todas as necessidades em tempo útil. Eis por que absolutamente não me inquieto com isto, e me ocupo com o que é para mim a coisa essencial: o término dos trabalhos que me restam a concluir. Feito isto, partirei quando a Deus aprouver chamar-me.

[2] Essas somas se elevavam, naquela época, a 14.100 francos, cujo emprego, em proveito exclusivo da Doutrina, está justificado nas contas. 

[3] Aos que perguntaram por que vendíamos os nossos livros em vez de dá-los, respondemos que o faríamos, se tivéssemos encontrado impressor que no-los imprimisse de graça, um negociante que fornecesse o papel grátis, livreiros que não exigissem nenhuma comissão para distribuí-los, uma administração dos correios que os transportasse por filantropia etc. Enquanto esperamos, como não temos milhões para cobrir esses encargos, somos obrigados a lhes atribuir um preço.

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