Visões
Vimos assinalar brevemente um fenômeno que, embora bem elucidado por Kardec e os Espíritos, não tem sido, parece-nos, devidamente entendido por alguns no movimento espírita.
Ora, conhecemos pessoas que têm irrecusáveis visões, as quais lhe ocorrem tanto em momentos de recolhimento pessoal e prece, quanto em reuniões mediúnicas. Uma amiga nossa as têm à profusão, e é muito em seu propósito que escrevemos, porque julgamos que, inadvertidamente, toma por vero fato toda e qualquer imagem dessas que, certamente não sendo devidas a si mesma, chegam à sua mente. Não vimos desacreditá-las; vimos, istossim, dar-lhe seu merecido valor, pelo menos segundo as concebemos.
Mas deixemos minha amiga de lado; apelo à sua experiência, caro leitor; não terá o senhor testemunhado, e digo principalmente no centro espírita, uma pessoa voltar de transe, daquele singular estado de crise, como dizia Kardec, ou seja, de separação, e relatar ter saído a ver o Espírito com quem se comunicavam na reunião, relatar ter-se deslocado até ele, visto suas moléstias e mazelas? Não terá visto pessoas narrarem seus arrebatamentos espirituais para lugares desconhecidos, às vezes ditos colônias, onde viram Espíritos que lhes foram caros em vida? Não terá o senhor mesmo, caro leitor, tido tais experiências? Custar-nos-ia muito crer em resposta negativa.
Mas que têm essas visões com Allan Kardec e os Espíritos?
Eis a ligação que alguns não perceberam completamente, mas que, tida em conta ou não, existe. A estes poucos temos de perguntar se se lembram da passagem do Livro dos Espíritos que trata de um certo fenômeno denominado êxtase; então lhes virão à memória algumas palavras, ainda sem significado. Mas bem, há de se responder, eis aí o estudo dessas visões; sim, aquele tal êxtase existe na vida real e os senhores mesmos já o testemunharam, já o tiveram por experiência direta.
Vejamos portanto o que temos perdido, pelo não termos ligado o texto às nossas experiências. Vamos às respostas dos números 443 e 444 do Livro dos Espíritos:
O que o extático vê é real para ele; mas como seu Espírito se conserva sempre sob a influência das ideias terrenas, pode acontecer que veja a seu modo, ou melhor, que exprima o que vê numa linguagem moldada pelos preconceitos e ideias de que se acha imbuído, ou, então, pelos vossos preconceitos e ideias, a fim de ser mais bem compreendido. Neste sentido, principalmente, é que lhe sucede errar.
De nossa experiência pessoal, temos um fato curioso. Sucede-nos sonhar quase sempre, imediatamente antes de despertar, que estamos de retorno para casa com um ônibus, veículo de transporte que mais usamos. Não será então nossa imaginação influenciada pelas nossas ideias terrenas, a exprimir o que vemos por uma linguagem moldada por nossos preconceitos e ideias, a fim de termos o significado essencial mais bem compreendido? Não queremos causar confusão entre os dois fenômenos, que devemos admitir distintos. Mas também não podemos negar aí um paralelismo, cuja observação é necessária.
O extático está sujeito a enganar-se muito frequentemente, sobretudo quando pretende penetrar no que deva continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se deixa levar pela corrente das suas próprias ideias, ou se torna joguete de Espíritos mistificadores, que se aproveitam de seu entusiasmo para fasciná-lo.
Não temos nada com esses Espíritos; admitamos que estão de férias e nos detenhamos no fenômeno por si mesmo. Se eu tomasse o ônibus de meus sonhos por um ônibus semimaterial real, não estaria me enganando? Mas não nos desviemos e voltemos aos êxtases propriamente ditos, sem criar confusões. Quando uma pessoa diz ver um Espírito recém-desencarnado morando em determinado lugar, rodeado de flores e outras coisas materiais, belas, mas ainda materiais, será que ela faria bem em tomar todas essas coisas por reais? Ou elas não estão aí apenas para representar valorativamente o que o vidente, por assim dizer, não pode compreender? — A não ser, é claro, que ele cultive a pretensão de alcançar todas as subtilezas das venturas espirituais.
Na verdade, não podemos deixar de observar um elevado grau de ingenuidade nessa possível confusão. Senão, vejamos. Pergunta-se: Quais serão as etéreas fontes de felicidade dos Espíritos mais elevados? Responde-se: Roupas e comidas leves, e flores perfumadas por toda parte. Pergunta-se: Como se poderá desvendar o mistério do deslocamento dos Espíritos no além? Responde-se: Com um ônibus. Qual será a sublime recompensa às almas pelo cumprimento dos desígnios divinos? Dinheiro. Mais que ingênuo, não chega a ser afrontoso? Diga-se antes que as roupas leves talvez signifiquem uma pureza de intenções, que as comidas leves talvez representem a ausência de doutrinas falsas; as flores, os bons sentimentos que abundam; que o ônibus não é mais que um indício de que há algum deslocamento, e que o dinheiro representa a consolidação de virtudes e conhecimentos. É certo que, aqui, nada é certo; mas em caso de inconformidade, reclame-se com Deus, e não conosco, que apenas constatamos o que se dá: foi ele quem fez as leis.
Assim, cremos ter feito ver que aqueles deslocamentos espirituais é que são os êxtases, e que o fenômeno do êxtase não oferece tanta credibilidade quanto a mediunidade, e precipita-se aquele que usar seu conteúdo para obter conclusões diretas.
Ensaio escrito por Thomas Schreiber. Thomas se dedica ao Espiritismo há vários anos e tem se interessado especialmente pelo seu processo de elaboração.
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