Resposta de *Cosme Massi no seminário "Estudando Kardec", da USE Intermunicipal — Catanduva em 07 de outubro de 2023; Bloco 2, Perguntas e respostas.

Transcrição de Rui Gomes Carneiro.

Nós abordamos com detalhes essa questão do perispírito em Espírito e Matéria. Nessa obra eu procuro mostrar todos os argumentos de Kardec contra qualquer ideia de perispírito como um organismo com órgãos; o perispírito não é um organismo como o corpo físico, não é um organismo que tem diversos órgãos e cada órgão desempenhando a sua função, isso é absolutamente falso para Kardec.

Os argumentos são simples.

Primeiro, o perispírito pode mudar de forma a bel prazer do Espírito; se o perispírito tivesse uma cabeça para pensar, e se o Espírito resolvesse dar uma forma inanimada ao seu perispírito, uma forma sem cabeça, esse Espírito vai parar de pensar porque a cabeça desapareceu?

Bom, eu vou desencarnar Cosme, homem, talvez daqui a alguns anos, já velhinho nessa existência; em várias existências anteriores eu (e cada um de nós) fui mulher, vivi em países diferentes, desencarnei na infância, na adolescência, na velhice: qual é a forma que eu vou adotar no mundo espiritual quando eu desencarnar? Se eu fui mulher, não tenho os mesmos órgãos que os homens; qual é a forma? “Ah, mas eu desencarnei criança, vou ficar na forma de criança!” Mas espera aí, na outra vida desencarnei adulto!

O perispírito toma a forma dos pensamentos. E Kardec tem um exemplo notável em que ele cita um filósofo, escritor, poeta grego, Esopo, que era feio, tinha problemas físicos corporais, e Kardec fala: Esopo, mesmo tendo várias vidas depois, se for evocado como Esopo, ele vai aparecer naquela forma de Esopo, e quem olhar vai dizer: “Espera aí, esse é o Esopo, olha as deformidades dele!” E ele teve várias outras vidas, mas como ele apareceu com aquela forma?

O perispírito toma a forma que o Espírito deseja, a aparência (e Kardec usa o termo "aparência", "aparição"); o Espírito toma a forma mais fácil para se identificar, para se mostrar. Para citar um exemplo simples: quando eu morrer e chegar no mundo espiritual, vou chegar talvez com a forma Cosme em um primeiro momento; tempos depois eu vou receber a minha esposa Lilian, que vai morrer depois de mim (e eu digo que se ela morrer antes eu mato ela), aí eu vou lá receber a Lilian, porque os amigos se recebem após a morte, aí eu vou recebê-la e aparecer como Cosme, por que foi assim que nós vivemos nessa existência e é mais fácil me reconhecer. Mas em seguida chega outro Espírito para conversar comigo, e eu fui mulher dele em uma vida passada (olha a situação!), e eu começo a conversar, começo a lembrar daquele tempo, e eu assumo a forma daquela mulher. Essa foi uma existência que eu tive como mulher, isso está na obra de Kardec, o perispírito assume a forma dos desejos, dos pensamentos, ele não é um organismo com órgãos, ele pode inclusive assumir a forma inanimada de um objeto que não tenha sequer órgãos.

Por isso Kardec vai no item 257 de O Livro dos Espíritos, “Ensaio teórico sobre as sensações dos Espíritos”, afirmar textualmente que não há órgãos de percepção no perispírito, não tem olho, não tem ouvido, não tem boca. Isso tudo que pode ser visto no Espírito é aparência, não é órgão. Órgão dá função, essa é a diferença. A boneca não tem órgãos, ela tem aparência de órgãos, boneca não enxerga por olhos (claro, ela nem sequer enxerga).

É por isso que o Espírito pode enxergar atrás dele, por cima dele, longe, ele não está enxergando por olhos. Embora ele possa aparecer com a forma humana tendo olhos, ele não está enxergando por aqueles olhos, aquilo ali é aparência, não tem função, não é órgão.

São muitos argumentos que eu coloco no meu livro, citando os argumentos de Kardec, e não faz nenhum sentido olhar o perispírito como um organismo com órgãos; isso gera diversos problemas e contradições. E há aqueles que ainda dizem: “Não, mas o perispírito carrega as características das pessoas que são más, as pessoas perversas deformam o seu perispírito, que vai deformar seus corpos quando voltarem a viver!” Bom, quem visitar penitenciárias em lugares diversos do mundo vai encontrar bandidos cruéis que são capazes de matar crianças e mulheres grávidas sem sentir remorso; olha-se para o corpo deles e tem-se uma surpresa: são perfeitos; corpos de dar inveja, saudáveis. Raciocinando com o princípio de não retrogradação da alma, se esse indivíduo é perverso hoje, deve ter sido perverso na vida passada, porque o Espírito não regride, então esses desejos do mal, essa prática do mal, devem ter acontecido também em uma vida passada, porque senão ele teria regredido. Mas, então, ele não deformou seu perispírito para nascer deformado agora? Como ele nasceu saudável?

Por que que tiraram essa conclusão da influência do perispírito no corpo da encarnação seguinte? Porque colocaram órgãos no perispírito. Ao colocar órgãos, toda essa confusão aconteceu.

O Espírito não perde o que aprendeu, e a memória expressa essa aprendizagem; a recordação de suas faculdades, dos seus sentimentos e sua vivência estão na alma. “Ah! não, está no perispírito.” Mas espera aí, se trocar de perispírito, precisa fazer um backup antes? “Espera aí, espera aí, antes de trocar o perispírito vamos fazer aqui um backup da memória, vamos pegar outro perispírito, que não tem memória...” É assim?

Isso é materialismo sofisticado. Memória é pensamento, pensamento está na alma, não tem o cérebro no perispírito para pensar. Isto é materialismo sofisticado. Colocaram funções de cérebro no perispírito, e isso não faz nenhum sentido em Kardec, todas as funções mentais são exclusivas da alma. Perispírito não tem memória, não tem cérebro, não tem cabeça para pensar: é aparência humana, e não órgãos com suas funções. Não há olhos para enxergar, ouvidos para ouvir. Imagina se o perispírito tivesse cérebro para pensar; aí um Espírito obsessor vem e danifica o cérebro do perispírito. O Espírito regrediria, não é? Ele perderia a memória, a razão, e ele, que pensava, agora se tornaria um doente mental no mundo espiritual, não pensaria mais, porque teve o cérebro do perispírito danificado; seria retrogradação, e Espírito não regride!

Então, por esses argumentos e outros mais que eu coloco no meu livro citado, tendo sido os argumentos extraídos do texto kardequiano, não há na doutrina espírita órgãos no perispírito. O perispírito não é um corpo, não é um organismo com órgãos.

Aqueles que propuseram esse tipo de perispírito não estudaram os argumentos de Kardec; e mais ainda, colocam muitas vezes órgãos sem justificar por quê, só dizem que tem, e não enfrentam os argumentos contrários de Kardec, e deveriam enfrentar!

E é curioso; há autores que colocaram órgão no perispírito, eu já recebi livros assim. Aí vemos que eles não colocaram os órgãos genitais; esses autores, Espíritos ou não, não colocaram órgãos genitais porque não existe reprodução no mundo espiritual, e não colocaram órgãos de excreção; então o Espírito desencarnado não engravida nem defeca, para alguns desses autores.

Mas um outro autor completou, colocou tudo. Autor mediúnico. Por isso, um dia recebi um e-mail de uma pessoa comentando: “Aí, Professor Cosme, agora colocaram órgãos no perispírito incluindo órgãos genitais; o perispírito engravida e nasce um perispírito lá dentro do outro na gravidez”;  e a pessoa brincando, rindo. Eu falei que o autor foi coerente, ele completou. Por que que o outro não colocou isso? Isso é preconceito contra a gestação e o metabolismo? O erro não é colocar isso e aquilo, o erro é ter começado a colocar órgãos. Essa pessoa só está completando aquilo que ficou incompleto em alguns autores. O erro foi ter começado a colocar órgãos, nunca deviam ter colocado.

Kardec deu todos os argumentos contrários a esse tipo de tese, e na Revista espírita várias vezes colocando isso em xeque.

Na Revista, ele, que conversava determinado assunto com um Espírito, percebeu que era um Espírito elevado, e muda para um assunto polêmico. De repente, ele faz uma pergunta: Tem olhos para ver o Espírito? para testar, porque ele sabia que aquele era um Espírito superior pelas perguntas, que estava respondendo. E o Espírito responde: Como já lhe dissemos, não temos órgãos. Olha o teste, para confirmar um princípio que já estava estabelecido! “Ah, mas Espírito inferior descreve órgãos no perispírito!” É claro, ele acredita que está vivo; quantos Espíritos na fase de perturbação acham que não morreram? Então, eles se veem com olhos, dizem até que estão com fome, que têm um estômago.

Há um diálogo de Kardec com o Espírito Baltazar, o gastrônomo, na Revista Espírita, que é curioso; esse Espírito se comunica primeiro espontaneamente dizendo: Aqui não tem uma mesa farta. E Kardec acha curioso que ele cobra que não tem ali uma mesa de comida para ele. Kardec então o evoca e pergunta para ele: Mas você tem estômago? Ele fala: Tenho estômago fluídico. Aí poderíamos pensar que ele tem estômago. Mas então Kardec muda a pergunta, porque já sabia que o Espírito não tinha estômago. Baltazar acabara de dizer que tinha, pois ele se olhava com um corpo, com braço, com olhos; então Kardec pergunta: Veja bem, e eu peço aos Espíritos que te ajudem a entender a minha pergunta, caso você não compreenda: você tem necessidade de comer, ou apenas desejo? Olha que inteligência! Quem tem órgão, tem necessidade. A resposta de Baltazar foi: “Não, eu não tenho necessidade, eu tenho desejo, e então eu me frustro, porque eu não posso realizar meu desejo.

Não tem órgãos para comer, tem desejo. Mas o Espírito não tem necessidade porque não possui órgãos. São os órgãos que dão as necessidades. Perispírito não precisa se alimentar.

Então vejam a sabedoria de Kardec nos ensinando. São muitos os argumentos que ele coloca na Revista espírita, em O Livro dos Médiuns, e os reúno em meus livros.

É por isso que o Espírito pode trocar de perispírito quando muda de planeta, sem problemas com a memória ou outros pensamentos.

E o perispírito está sempre em mudança, porque ele é um aglomerado de fluidos que reflete os desejos, os pensamentos; se o indivíduo muda seus desejos, se o seu pensamento progride, o seu perispírito muda, outros fluidos passam a compor seu perispírito porque eles refletem um mundo dos desejos, dos pensamentos. Quanto mais o Espírito avança, menos “denso” (entre aspas, porque eu não tenho outra palavra) será o seu perispírito. Ele muda de natureza, atrai fluidos mais “sutis”, forma outro perispírito, não é mais o mesmo.

Então eu digo: vamos ficar com quem, com Kardec que deu argumentos precisos e recebeu as informações dos Espíritos superiores, ou com a opinião de Espíritos que não argumentam, apenas dizendo que têm?

Eu respeito Espíritos que dizem que têm órgãos, mas respeitar não significa concordar com eles, porque eles não dão argumento, eles só dizem que têm. E não foram capazes de responder aos argumentos muito bem construídos por Kardec e pelos Espíritos superiores contra essa tese; se não foram capazes de contra-argumentar, eu considero apenas a opinião deles, e opinião por opinião eu prefiro ficar com a opinião de Kardec, que não é apenas uma opinião, é opinião fundamentada, embasada em bons argumentos, em princípios muito claramente estabelecidos. A escolha é nossa. E eu fiz a minha escolha, cada um faça sua.

Então é importante essa pergunta para esclarecermos que temos que escolher usando o que eu falei, o critério da análise crítica. O que é feijão bom, nós comemos, o que é feijão bichado ou pedra, nós deixamos de lado.

— Assista ao vídeo “Perguntas sobre o tema Materialismo sofisticado e suas consequências” no KARDECPlay!

*Observação. O texto acima foi retirado de uma exposição de viva voz. Como todo ensino oral, esta colocação pode não ser tão rigorosa com os sentidos das palavras, por efeito da proximidade entre as pessoas que conversam. É preciso, por isso, considerar que as definições dadas podem ser provisórias, e que alguns termos são usados em sentido figurado. Em todo caso, o fundo da mensagem não deixa equívocos.

Cosme Massi é Físico, Doutor e Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela UNICAMP. Foi professor, pró-reitor e diretor de diversas universidades no Brasil. Ganhador do Prêmio Moinho Santista em Lógica Matemática. Escritor, palestrante e estudioso das obras e do pensamento de Allan Kardec há mais de 30 anos. Idealizador do IDEAK (Instituto de Divulgação Espírita Allan Kardec) e da KARDECPEDIA, plataforma grátis para estudos das obras de Allan Kardec. Reúne mais de duzentas aulas de Espiritismo na plataforma KARDECPlay.

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