Explicação de Cosme Massi* na live “A Paz, de Jesus a Kardec”, Bate-papo no 24.ª SEMESP (Semana Espírita de Ponta Negra) — Centro Espírita Irmãos do Caminho (CEIC), em Natal, Rio Grande do Norte, a 29 de outubro de 2020.

Transcrição de Rui Gomes Carneiro.

Esse é um tema muito importante, que se encontra ao longo do pensamento cristão, começando com Jesus e continuando com as obras fundamentais do Espiritismo apresentadas por Allan Kardec.

A palavra paz é comumente empregada em pelo menos dois sentidos. Muitas vezes a usamos para indicar um sentimento interno, algo que se encontra no mundo interior da criatura. Mas também se usa a palavra paz se referindo às relações entre os seres humanos, a forma como se dão as relações entre as pessoas, entre os povos, entre as nações.

Como veremos, esses dois sentidos terão um elemento comum muito importante, e que vai merecer de nós muitas reflexões.

No primeiro sentido, de paz como um sentimento interior, este sentimento é uma espécie de mistura entre a calma e a alegria, que decorre de uma consciência tranquila. É o estado de consciência tranquila que faz com que o homem tenha esse sentimento de paz.

Mas o que dá a ele essa consciência tranquila?

Quando estudamos o pensamento espírita nas obras de Allan Kardec, em especial na obra O Livro dos Espíritos, vemos que Kardec coloca a necessidade do cumprimento da lei de Deus para que o indivíduo possa ter a sua consciência tranquila. Então a consciência tranquila decorre da prática da Lei de Deus.

Consegue esse sentimento de paz, que decorre da consciência tranquila, aquele que se esforça, dia após dia, para colocar em prática as leis de Deus. Essas leis foram estabelecidas de forma admirável, como parábolas e em princípios gerais, pelo próprio Cristo, que as resumiu no mandamento “Amar a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo.”

Allan Kardec apresenta, em O Livro dos Espíritos, na terceira parte dessa obra admirável, as dez leis morais em que detalha o mandamento de Jesus; se praticarmos essas leis, teremos a consciência tranquila, e conquistaremos esse sentimento de paz tão precioso. Essa calma, essa serenidade, essa alegria, decorrem do esforço diário para pôr em prática a lei de Deus.

Mas há o outro sentido da palavra paz, quando olhamos para as relações entre as pessoas na convivência no lar, no ambiente do trabalho, no ambiente social, e na vida entre povos, entre nações.

Essa paz de que tanto falamos nas relações humanas certamente não depende de um único indivíduo. Quando olhamos a vida de Jesus vemos que ele tinha essa paz interior perene, que não se abalava jamais, e mesmo assim foi atacado, sofreu violências, sofreu agressões de todos os tipos. A paz nas relações humanas não dependia apenas da paz que ele trazia dentro do próprio coração. Ele viveu em uma sociedade que, de modo geral, não entendia seus sentimentos.

O mesmo ocorre com todos nós; por mais que nos esforcemos para manter a paz, nesse trabalho de colocar em prática diariamente a lei de Deus, não podemos esquecer que estamos em um mundo de provas e expiações, onde ainda impera o egoísmo, o orgulho, a inveja, o ciúme, a raiva, o ódio, esses sentimentos humanos terríveis, que impedem que as relações humanas possam ser relações pacíficas, relações de paz.

Embora não possamos fazer que um mundo de provas e expiações se transforme, num passe de mágica, e todo nosso mundo passe a viver em paz, podemos, cada um de nós, buscar a construção da paz em nós mesmos, buscando colocar em prática a lei de Deus, no dia a dia, dentro de casa, dentro da família, no ambiente de trabalho, na sociedade em que estamos vivendo.

Um mundo de provas e expiações é dominado pelo ciúme, pela inveja, pelo ódio, que fazem com que pessoas ataquem outras gratuitamente, sem que lhe tenham dado motivo. Não se pode evitar que essa violência, que essa guerra que ocorre entre Espíritos imperfeitos seja simplesmente evitada por uma pessoa que busque viver com a consciência tranquila praticando a lei de Deus. O mundo continuará de provas e expiações, mas essa pessoa tornou-se exemplo da vontade do Cristo, influenciando outras em seu redor.

É muito importante entender a diferença entre os conceitos de paz interna e de paz entre pessoas ou nações; entretanto, há entre eles um ponto em comum, que é a possibilidade que cada indivíduo tem de colocar em prática a lei de Deus, com sua vontade, com seu esforço, formando focos de paz que influenciam outros a sua volta.

Desta forma, é necessário o esforço diário para pensar no outro, para vencer o egoísmo, o orgulho, a inveja — esse vício cruel que faz com que a pessoa se sinta incomodada com o sucesso alheio e traz consigo a maledicência e a raiva. É esse esforço diário que fará o indivíduo tentar afastar de si esses sentimentos ruins, para que possa construir a paz em seu mundo interior.

Mas na medida em que ele faz esse esforço de construção de seu mundo interior, o seu exemplo vai fazendo que outras pessoas também percebam a importância de viver em paz, de buscar a lei de Deus como roteiro seguro para uma vida feliz.

Assim, nesse mundo de provas e expiações não podemos contar com a paz nas relações humanas, mas podemos guardar a paz em nós mesmos. Não podemos mudar os outros, porque isso cabe a cada um fazer no uso de sua liberdade, do seu livre arbítrio, da sua vontade de mudar, mas podemos mudar a nós mesmos.

É um trabalho de todos os dias fazendo esse esforço simples, mas firme, de vencermos as nossas paixões ruins. Como? Ao acordarmos, orando ao nosso anjo guardião, pedindo inspiração e forças, para que, naquele dia, não percamos a paciência, convivamos com todos da melhor forma possível, enfrentemos os ciúmes, a inveja, a tristeza. Deus nos deu o direito de lhe pedir o auxílio necessário para superarmos nossos vícios, nossas paixões desequilibradas, então façamos esses pedidos.

Se cada um de nós fizer esse esforço diário de construção da paz em si mesmo, construiremos a paz nas relações entre os homens.

Os dois conceitos de paz estão, então, interligados. É impossível conseguir a paz entre os homens se não houver a paz no interior de cada homem. Por isso a importância de cada pessoa cuidar de si mesmo, buscando a construção de uma consciência tranquila por meio da prática da lei de Deus.

São dois conceitos que estão fortemente relacionados: a paz individual que ocorre no mundo interior é a causa que tem como efeito a paz entre os homens, a paz na vida social.

Sendo a paz individual a causa e a paz na vida social o efeito, só temos um caminho para mudarmos o efeito: consolidando a causa, ou seja, só vamos conseguir a paz na vida social quando essa paz estiver dentro de cada um de nós.

Essa a importância de se compreender esses dois conceitos, para que entendamos a nossa responsabilidade individual de buscar essa consciência tranquila pela prática da lei de Deus, dia a dia.

— Assista à videoaula do KARDEC Play sobre o texto “O ponto de vista”, de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.

*Observação. O texto acima foi retirado de uma exposição de viva voz. Como todo ensino oral, esta colocação pode não ser tão rigorosa com os sentidos das palavras, por efeito da proximidade entre as pessoas que conversam. É preciso, por isso, considerar que as definições dadas podem ser provisórias, e que alguns termos são usados em sentido figurado. Em todo caso, o fundo da mensagem não deixa equívocos.

Cosme Massi é Físico, Doutor e Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela UNICAMP. Foi professor, pró-reitor e diretor de diversas universidades no Brasil. Ganhador do Prêmio Moinho Santista em Lógica Matemática. Escritor, palestrante e estudioso das obras e do pensamento de Allan Kardec há mais de 30 anos. Idealizador do IDEAK (Instituto de Divulgação Espírita Allan Kardec) e da KARDECPEDIA, plataforma grátis para estudos das obras de Allan Kardec. Reúne mais de duzentas aulas de Espiritismo na plataforma KARDECPlay.

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