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Primeiras lições de moral da infância II: Por que ser ético?
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Primeiras lições de moral da infância II: Por que ser ético?

Explicação de Cosme Massi na palestra “Ética e lições de moral na infância”, disponível em seu canal no YouTube.


Transcrição de Rui Gomes Carneiro.


Vimos que existem três possibilidades para se justificar o comportamento ou a conduta ética:


• O indivíduo busca a felicidade de todos;


• O indivíduo que vai fazer uma escolha de conduta que se apoia em alguma lei moral, em alguma lei ética que oriente sua escolha;


• O indivíduo opta sempre pelo comportamento virtuoso.


Assim é feito um apelo para a consequência da ação. Então, antes de agir, de ter determinado comportamento, o indivíduo mede as consequências. Quantas pessoas ficarão felizes? Qual é o grau de felicidade que vou produzir com essa conduta? Então a escolha de sua conduta leva em consideração o maior grau de felicidade a ser produzido. Então pode-se dizer que uma conduta será correta do ponto de vista ético se ela produzir a maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas.


É a noção de felicidade coletiva, e por isso difere do gosto, ou do desejo, pois no gosto e no desejo pode-se pensar apenas no interesse particular, age-se apenas visando ao interesse próprio. Ao visar ao seu desejo, ao seu gosto, o indivíduo está pensando no seu interesse, no seu gosto, e, como já vimos, isso não tem nada a ver com a ética. Na conduta moral, o que se busca é a felicidade coletiva, portanto a felicidade para outros, para a espécie humana, para todos os seres humanos, e não especificamente a própria felicidade.


Se a pessoa escolhe comer chocolate ou outra coisa, isso não envolve a questão da felicidade coletiva, então não é uma conduta que deva ser olhada do ponto de vista ético.


Mas quando se está diante de uma conduta que tem relevância para a espécie humana, então deve-se, segundo esses que consideram a felicidade como o elemento mais importante para a decisão da conduta, buscar a felicidade do maior número possível de pessoas.


Então acrescentamos: o motivo, ou a razão da conduta, é o bem ou a felicidade coletiva. A pessoa que usa isso como um critério ético geral é chamado ético utilitarista.


São os éticos utilitaristas que propõem que uma conduta humana vai ser uma conduta moral quando ela produzir o bem para a espécie humana, o bem coletivo, a felicidade para todos. Esta seria para os éticos utilitaristas uma conduta moral, adequada, ou uma conduta moral correta.


Vejamos a segunda resposta possível para se justificar o comportamento ou a conduta ética:


Por que eu devo me comportar dessa forma? Vejamos como entende um ético deontológico, onde o étimo “deon” significa dever.


O ético deontológico procura pautar sua conduta no dever, no dever geral estabelecido por uma lei moral, por exemplo.


"Por que você age assim, recusando-se a matar?" Porque não devo matar. A lei estabelece "não matar", então eu não devo matar, eu ajo, ou me comporto, desse jeito, não produzindo nenhuma tentativa de agressão a uma vida. Estou seguindo uma lei que diz “não matar”. Não devo matar, devo cumprir essa lei, sigo a conduta correta que é respeitar a lei moral. O ético deontológico não infringe uma lei moral.


Por isso é importante existir um conjunto de leis morais para esse tipo de ética. Nós vamos encontrar o exemplo mais antigo no código de Moisés, em que ele estabelece um conjunto de leis sobre o qual o indivíduo deveria pautar sua conduta. São as leis morais ou as leis de Deus.


Deve-se estudar essas leis, e é a partir do conhecimento delas que se define o que é correto do ponto de vista moral. E é claro que as leis morais não abarcam todas as condutas humanas, como já dissemos antes a respeito das condutas de gosto e de interesse. Nesse caso da segunda resposta, o motivo ou a razão da conduta é o dever, o cumprimento da lei.


Qual a diferença com aquele que procura a felicidade?


A diferença é que aquele que procura a felicidade precisa de alguma forma ter certeza de que aquela conduta escolhida vai produzir a maior felicidade para todos. Aquele que segue a lei, não, ele diz: “Eu cumpro o meu dever; se a minha conduta vai produzir ou não a maior felicidade não me preocupa, porque eu faço o que devo fazer."


— E Por que você é honesto?


— Porque devo ser honesto.


— Mas isso pode gerar dor, aflição.


— Eu não estou preocupado com a dor ou aflição, mas com o dever.


— Qual sua vantagem sendo honesto?


— Ser honesto é um dever do indivíduo.


Os indivíduos que seguem essa possibilidade ética do dever são até duros ao dizer:


“Eu não devo nem me preocupar com a felicidade, pois não sei se minha escolha baseada em dever vai trazer felicidade; eu cumpro o meu dever, e, ao cumprir o meu dever, estou correto do ponto de vista ético.”


Esse cumprimento do dever deve ser dado como uma forma de auto-obrigação, em que o indivíduo se obriga a esse cumprimento.


Se alguém diz que está cumprindo a lei porque não quer ser punido, ele não está tendo uma conduta adequadamente ética. Se fosse perguntado da razão de cumprir a lei do ponto de vista ético, a resposta deveria ser: “Porque devo.” Não é pelas consequências, se serão boas ou ruins para mim, é "porque devo". Devo cumpri-la porque é correto cumpri-la e ponto. Não existe nenhuma outra razão que não seja o senso de dever. Não existe aqui nenhum elemento de interesse envolvido: é o puro senso de dever. É muito muito fácil de se falar, mas na prática muito difícil de executar. Em geral, quando se está em uma situação em que o interesse próprio está envolvido, é que nós colocamos em xeque a nossa realidade moral.


Quando o interesse está envolvido, a moral está em risco
: a conduta moral deve ser uma conduta desinteressada. Em uma conduta desinteressada não é meu interesse moral que está em questão. É o dever, é o bem coletivo.


“Ah, mas aí eu vou me prejudicar?”


Não importa; o indivíduo ético não está preocupado com o seu interesse, ele só olha se é correto. — “É correto agir assim? Então vou agir assim.”


— Ah, mas você vai perder o emprego, você vai ser preso, você vai ser prejudicado, você vai criar um problemão para sua vida!


— Eu devo agir assim, pois não é o interesse que prevalece, é o senso de dever.


É muito difícil! É muito fácil falar, mas muito difícil ter esse tipo de conduta ética quando o interesse está envolvido. Em geral, na maioria de nós, o interesse cala muito mais fundo, e a gente mede o que se chama interesse pelo prazer, pelo gosto, pela alegria; eu vejo que vou me prejudicar e acabo fazendo uma opção diferente da do dever. Aí estou tendo uma conduta imoral, ou contra a moral. Comumente nós cedemos ao interesse pessoal!


Nós somos até que bem comportados do ponto de vista moral quando o interesse não entra em jogo. E em geral, para o ser humano, o interesse que mais pesa é o interesse material, ou interesse de poder, que está ligado ao interesse material.


Assim, se isso vai nos prejudicar, materialmente falando, se vai diminuir o nosso poder, se vai de alguma forma influir no nosso prestígio, já mudamos a escolha de conduta. Ou seja, o interesse ainda fala alto em nossas vidas. Por isso acabamos tendo condutas imorais, porque as condutas morais são condutas desinteressadas. E nós não estamos tão dispostos a abandonar os nossos interesses.


Então essa segunda possibilidade é uma possibilidade importante, porque ela traz essa noção de dever como chave para a conduta ética. “Por que se comportar assim?” "Por dever.” Qualquer um que precise de mais explicações não entendeu o que é ética.


Se a pessoa não entendeu isso, se ela acredita que isso não é suficiente para decidir sua conduta, então ela ainda não desenvolveu o senso moral: quem desenvolveu o senso moral sabe que deve, e cumpre porque deve. Não porque isso lhe vá causar uma satisfação maior ou porque isso, em algum momento, lhe vá produzir felicidade. Ele está preocupado com o que deve ser feito.


A maior demonstração dessa conduta ética por dever nós vamos encontrar no Cristo, ou em um Espírito bom, em um Espírito superior em geral. Imagine qual seria o interesse de um Espírito puro, perfeito como o Cristo, por nós? A noção de interesse envolve o desejo de uma certa troca, uma certa carência, uma certa necessidade. Nós teríamos algo para oferecer ao Cristo, então ele teria tido interesse em se comportar como se comportou conosco para receber de nós esse algo.


Aí perguntamos: qual seria o interesse de um Espírito puro em nós? Nós nada podemos oferecer para ele que ele não possa ter de forma muito mais ampla e especial. Então a conduta de um Espírito superior quando nos orienta, nos ajuda, nos ampara, ou quando vem à Terra e sofre com as suas imperfeições, é uma conduta de puro senso de dever. Não há nenhum interesse envolvido, já que ele nada poderia receber de nós. É a maior demonstração de desinteresse, porque não podemos lhe oferecer nada! E, a despeito disso, esse Espírito continua nos ajudando, continua renunciando a nosso benefício! É a maior demonstração do que seja uma conduta desinteressada, como têm nossos Espíritos protetores, que nada precisam de nós, e, no entanto, renunciam ao seu tempo para se dedicar a nós, para nos auxiliarem, para nos orientarem. Essa é uma demonstração de uma conduta por dever, e não por interesse.


Mas há uma terceira resposta possível à questão: — “Por que eu deveria me comportar desse jeito?”


Nessa terceira possibilidade, em geral, pode-se definir uma conduta ética correta como sendo a conduta do homem virtuoso.


Procura-se compreender o que é virtude, o que é o caráter do homem virtuoso e então procura-se imitá-lo. A conduta que imita a conduta do homem virtuoso seria uma conduta moral ou, como costuma-se dizer, corretamente moral; bastaria dizer conduta moral, mas se diz, com muita frequência, moralmente correto. Mas não difere de dizer apenas moral.


Assim nós encontramos três respostas possíveis para a pergunta inicial.


Se alguém pergunta o que é uma conduta moral, ou correta moralmente, pode-se responder de três formas, que costumam levar ao mesmo conjunto de condutas:


• Correto moralmente é aquilo que obedece à lei, aquilo que é de acordo com o dever, aquilo que eu devo fazer; ou


• Correto moralmente é aquilo que produz a maior felicidade para todos, a conduta que produz o bem comum, a felicidade para toda a espécie humana; ou


• Correto moralmente é a conduta do homem virtuoso. Eu devo entender o que é virtude, compreender o homem virtuoso e então me comportar como ele.


Desta forma, a pergunta de por que eu deveria me comportar dessa ou daquela maneira envolve pelo menos três respostas.


Por isso na história da ética nós podemos agrupar as teorias éticas em três grandes grupos: as éticas utilitaristas, que usam a ideia de bem coletivo, de felicidade para todos, como o critério da moral; as éticas deontológicas que usam como correto seguir a lei, o dever; e as éticas das virtudes, que usam como correto o caráter do homem virtuoso. Escolhendo qualquer uma delas se conseguirá identificar, nos mais diversos contextos, a conduta moral adequada.


Na ética prática do dia a dia, a recomendação é usar todas. Há determinados contextos em que se consegue saber como o homem virtuoso se comportaria, e a virtude mostrará o que fazer; há outros contextos em que se deve apoiar em uma lei, no senso do dever; e há outros contextos em que também se pode utilizar a noção de felicidade coletiva, de bem comum, para fazer a escolha de sua conduta.


A ética prática exige muito mais que uma teoria ética em particular; precisamos utilizar de todos esses recursos para decidir se uma conduta é ética ou não. É muito importante saber essas três possibilidades para sabermos escolher nas diversas situações da vida. Quem sabe combinar muito bem essas respostas acaba escolhendo na ética prática a melhor conduta possível.


É claro que, se temos várias éticas, nós temos um progresso na própria noção do dever ao longo do tempo. Nós vamos percebendo, como vai dizer Lázaro em uma belíssima mensagem em O Evangelho segundo o Espiritismo, que o dever "cresce e se irradia nas mais diversas expressões da vida".


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*Observação. O texto acima foi retirado de uma exposição de viva voz. Como todo ensino oral, esta colocação pode não ser tão rigorosa com os sentidos das palavras, por efeito da proximidade entre as pessoas que conversam. É preciso, por isso, considerar que as definições dadas podem ser provisórias, e que alguns termos são usados em sentido figurado. Em todo caso, o fundo da mensagem não deixa equívocos.


Cosme Massi é Físico, Doutor e Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela UNICAMP. Foi professor, pró-reitor e diretor de diversas universidades no Brasil. Ganhador do Prêmio Moinho Santista em Lógica Matemática. Escritor, palestrante e estudioso das obras e do pensamento de Allan Kardec há mais de 30 anos. Idealizador do IDEAK (Instituto de Divulgação Espírita Allan Kardec) e da KARDECPEDIA, plataforma grátis para estudos das obras de Allan Kardec. Reúne mais de duzentas aulas de Espiritismo na plataforma KARDECPlay.


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